TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
79 acórdão n.º 89/12 (vide sobre a história da Ordem dos Advogados em Portugal, Alberto Sousa Lamy, em A Ordem dos Advo- gados Portugueses – História, órgãos, funções , edição de 1984, da Ordem dos Advogados, e sobre a atribuição a esta instituição de poderes de direção e disciplina da advocacia desde 1926, Augusto Lopes Cardoso, em “Da associação dos advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados – Subsídios históricos e doutrinais para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados,” in separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, I, abril de 1988, e Rogério Ehrhardt Soares, em “A Ordem dos Advogados uma corporação pública”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 124.º, pp. 161 e segs.)”. Enquanto ordem profissional, a Ordem dos Advogados pode, assim, definir-se como uma associação pública instituída por lei e constituída pelos membros da profissão respetiva com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regular e disciplinar o exercício da advocacia, no respeito pelos respetivos princípios deontológicos (neste sentido, vide Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo , V.I, 3.ª edição, p. 460). O modelo organizatório assente na devolução a uma ordem profissional da função de controlo do acesso à profissão, regulamentação do respetivo código deontológico e exercício do poder disciplinar sobre os seus membros pressupõe necessariamente a imposição legal do ónus de inscrição como condição da possibilidade de exercício da atividade. Na medida em que de outro modo se frustraria a tutela do interesse público prosseguido através dos esquemas de autorregulamentação profissional assentes na constituição de associações públicas, a obrigato- riedade de inscrição, em si mesma, não oferece dúvidas de constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º 281/99, in Diário da República , II Série, de 24 de Outubro de 1991) mesmo perante a dimensão negativa da liberdade de associação consagrada no artigo 46.º, n.º 3, da Lei Fundamental, resultando tal legitimidade do seu esta- tuto de elemento indissociável da própria viabilidade institucional do modelo de supervisão corporativa do exercício da correspondente atividade. 7.2 . Inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo 47.º, n.º 1, da Consti- tuição assegura que todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade Para além da faculdade de escolher livremente a profissão desejada, a liberdade de escolha de profissão tem, na sua dimensão positiva, vários níveis de realização, nestes se incluindo, a par, entre outros, da obten- ção das habilitações necessárias ao exercício da profissão, o momento do ingresso na atividade profissional. Considerada a especial natureza ou relevo social de certas atividades profissionais, aquele ingresso pode encontrar-se sujeito a determinadas restrições de índole subjetiva (expressamente admitidas pelo artigo 47.º, n.º 1, in fine , da Constituição), integrando estas o “estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada , Volume I, 4.ª edição, p. 656) a que tais profissões foram legalmente submetidas com o objetivo de assegurar que, tal como é do interesse público, o respetivo exercício ocorra segundo padrões de qualidade e idoneidade. Tais restrições, todavia, quando se traduzam na fixação de requisitos subjetivos de acesso e tenham por isso o efeito de delimitar positiva e/ou negativamente o universo das pessoas que podem exercer determinada profissão, não poderão deixar de afetar a zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, o que determina que a sua previsão se encontre reservada à lei parlamentar ou a diploma governamental devidamente autori- zado nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição (cfr. Acórdão n.º 3/11). Daqui resulta que, embora a inscrição nas ordens profissionais seja condição do exercício da profissão, estas não podem estabelecer, por via autónoma e independente, restrições ao exercício profissional: a ins- crição constitui um direito daquele que se encontre nas condições normativamente pré-fixadas e estas, por dizerem respeito à modelação da liberdade de escolha da profissão, encontram-se sob reserva relativa de lei parlamentar nos termos que conjugadamente resultam dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição. Tendo por objeto de regulação os direitos, liberdades e garantias, a reserva relativa de lei parlamentar estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, é, além do mais, materialmente absoluta
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