TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

51 acórdão n.º 25/12 DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido por considerar que a integração no Estatuto da Câmara dos Solicitadores de um órgão independente e com uma composição difusa, destinado a intervir na regulação da atividade dos agentes de execução (caracterizados como operadores judiciários com uma competência própria distinta da dos solicita- dores, ainda que estes possam aceder a essa atividade desde que legalmente habilitados) viola o princípio da especificidade que decorre do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição. De facto, quando esse preceito estipula que as associações públicas «só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas», aponta não somente para um princípio de excecionalidade ou neces- sidade, mas também para um princípio de especificidade, que tem subjacente a ideia de que a criação de associações públicas não é livre, devendo ela ser necessária para assegurar uma finalidade pública caracteri- zada, em regra associada à autorregulação profissional e à defesa de interesses coletivos atinentes a uma dada categoria de pessoas. Por isso se entende que a associação pública não pode ser utilizada para realizar fins múltiplos ou satisfazer interesses genéricos ou de caráter muito amplo ou insuficientemente preciso. No caso vertente, o legislador pretendeu regular uma nova atividade profissional (que tanto pode ser exercida por advogados como por solicitadores) através da criação de um novo órgão (Comissão para a Eficácia das Execuções), que ainda que seja tido formalmente como um órgão da Câmara dos Solicitadores (artigo 69.º-B do Estatuto), não integra materialmente a estrutura orgânica da Câmara, cujos membros não representam os solicitadores nem são por eles eleitos, e que não tem já por função a regulação ou a realização de interesses sócio profissionais do solicitadores. Ainda que a intervenção desse órgão não ponha em causa o autogoverno da Câmara dos Solicitadores, que mantém os seus órgãos de gestão tradicionais, o certo é que esta entidade, enquanto associação pública representativa dos solicitadores, é utilizada para o exercício de um função que, ainda que seja de interesse público, escapa às atribuições e aos fins específicos para que foi instituída, com uma clara implicação no princípio da especificidade. Por outro lado, não é válido o argumento de que o Tribunal Constitucional, estando limitado pelo objeto do pedido de fiscalização de constitucionalidade – que incidiu apenas sobre as normas que definem a composição da Comissão para a Eficácia das Execuções –, não poderia averiguar a constitucionalidade da inserção de um órgão dessa natureza na estrutura da Câmara dos Solicitadores. De facto, o pedido, reportando-se apenas à norma do artigo 69.º-D do Estatuto dos Solicitadores, na nova redação dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, tem pressuposta a existência de um novo órgão, que foi criado por esse diploma para passar a integrar a estrutura organizativa da associação pública, e o Acórdão não deixa de analisar a questão de constitucionalidade suscitada à luz de diversos outros dispositivos que caracterizam o órgão em causa, designadamente quando se reporta à norma do artigo 69.º-B para dela extrair argumentos destinados a afastar a alegada violação do princípio da democracia interna. Ora, o Tribunal não está impedido de declarar a inconstitucionalidade de normas com fundamentação diversa daquela que foi invocada pelo requerente (artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional), e não podendo dissociar-se o objeto do processo da alteração legislativa que implicou a modificação da estrutura orgânica da Câmara dos Solicitadores, através da criação de um novo órgão interno – visto que o pedido incide sobre a composição desse órgão –, nada obstava a que se apreciasse e decidisse no sentido da inconstitucionalidade por violação do princípio da especificidade, ainda que este vício não tivesse sido alegado. – Carlos Fernandes Cadilha. Anotação: Acórdão publicado no Diário da República , II Série, de 13 de fevereiro de 2012.

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