TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

506 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma deliberação com maioria qualificada, a lei espelha o imperativo comunal e democrático que preside ao baldio, onde qualquer comparte tem o direito de o fruir e as mais restritivas limitações à respetiva fruição não podem deixar de exigir tal maioria de vontades dos compartes. Ora, como também a delegação de poderes prevista nos artigos 22.º e 23.º da Lei dos Baldios exige deliberação da assembleia de compartes por maioria qualificada dos membros presentes [n.º 1, alínea l) , e n.º 2 do citado artigo 15.º da Lei dos Baldios], poderia tentar retirar-se desta coincidência a conclusão de que os poderes delegados na junta de freguesia podem abranger a totalidade das competências da própria assembleia de compartes. Afinal, sendo a delegação apro- vada por maioria qualificada, poderia dizer-se que contemplará (salvo restrição da própria delegação de poderes) qualquer matéria para a qual seria necessário tal tipo de maioria. A natureza e o regime dos baldios, porém, revelam o oposto.  Na verdade, se é certo que a lei permite que a assembleia de compartes delibere a alienação parcial do baldio, nos estritos termos fixados no artigo 31.º da Lei dos Baldios, não é menos certo que tal corresponde à extinção parcial do próprio baldio – assim mesmo o recorda a alínea b) do artigo 26.º da mesma Lei. Ora, admitir que uma “delegação de poderes de administração” numa junta de freguesia poderia abarcar a com- petência para alienar uma parte do baldio, implicaria admitir também a possibilidade de essa junta fazer extinguir parcialmente o próprio baldio, resultado que não é compatível com o regime de posse e fruição destes bens comunitários.  Ou seja, existindo assembleia de compartes, apenas as competências próprias do conselho executivo são delegáveis na junta de freguesia. E, assim, competindo àquela assembleia deliberar sobre a cessão de explo- ração do baldio – e, por identidade de razão caso se entenda que a lei o não proíbe, também sobre o arren- damento –, não pode a junta de freguesia tomar qualquer decisão nesse sentido, por não deter competência (ainda que delegada) para o efeito. O que sempre acarretaria a conclusão sobre a ilegalidade do referendo em causa, por violação do artigo 3.º, n.º 1, da LORL. 9. Assim, tendo-se concluído no sentido de que a deliberação em exame sofre de vício insanável, uma vez que o objeto do referendo viola o disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, o que definitivamente impede a sua realização, torna-se desnecessário proceder à apreciação das demais questões sobre as quais competiria ao Tribunal pronunciar-se. III – Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela ilegalidade, por violação do n.º 1 do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de agosto, do referendo local que, na sua sessão extraordinária de 27 de janeiro de 2012, a Assembleia de Freguesia de Pindelo dos Milagres deliberou realizar. Lisboa, 28 de fevereiro de 2012. – Gil Galvão – Ana Maria Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Carlos Pamplona de Oliveira – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Maria João Antunes – João Cura Mariano (votei favoravelmente o Acórdão apenas pelas razões que constam do ponto 8.1. da sua fundamentação) – Carlos Fernandes Cadilha (com declaração seme- lhante à do Conselheiro Cura Mariano) – Rui Manuel Moura Ramos . Anotação: Os Acórdãos n. os 325/89, 240/91, 288/98 e 359/06 estão publicados em Acórdãos, 13.º, Tomo I, 19.º, 40.º e 65.º Vols., respetivamente.

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