TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

504 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Para o resolver, convirá ter presente, por um lado, que, de acordo com o estatuído na alínea b) do n.º 4 do artigo 82.º da Constituição, os meios de produção comunitários – possuídos e geridos por comunidades locais – integram o setor de propriedade cooperativo e social e que o artigo 1.º da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro (doravante Lei dos Baldios) estatui, por seu turno, que: “1 – São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais. 2 – Para os efeitos da presente lei, comunidade local é o universo dos compar- tes. 3 – São compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costu- mes, têm direito ao uso e fruição do baldio.” (itálico aditado). Daqui resulta, como já se referiu e transparece também claramente da jurisprudência do Tribunal, a natureza comunitária deste tipo de bem e a sua evidente autonomia de princípio em relação aos bens de que as coletividades territoriais autárquicas são titulares e que estão submetidos à sua administração. Acresce, que, de acordo com a Lei dos Baldios, as comunidades locais se organizam, para o exercício dos atos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho diretivo e uma comissão de fiscalização (artigo 11.º, n.º 2), sendo a assembleia de compartes constituída por todos os compartes e o conselho diretivo e a comissão de fiscalização formados por membros eleitos por aquela assembleia [artigos 14.º e 15.º, n.º 1, alínea b) ] . Por sua vez, nos termos do estatuído na alínea m) do n.º 6 do artigo 34.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro (que estabelece o quadro de competências, bem como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias), é competência própria da junta de freguesia “Proceder à administração ou à utilização de baldios sempre que não existam assembleias de compartes , nos termos da lei dos baldios” (itálico aditado), não contendo a mesma lei qualquer disposição sobre baldios na parte referente à competência da assembleia de freguesia. Assim, da conjugação da Lei dos Baldios com o citado artigo 34.º, n.º 6, alínea m) , da Lei n.º 169/99, é indubitável que, existindo assembleia de compartes, as juntas de freguesia não detêm qualquer competência própria em matéria de baldios. No caso, sendo conhecido que existe uma Assembleia de Compartes do baldio de Pindelo dos Mila- gres, que não só elegeu um Conselho Diretivo em 1995, como elegeu uma “Comissão de Compartes” em 2000, está excluída qualquer competência própria dos órgãos da freguesia nesta matéria. E assim sendo, deve entender-se que não cabe aos órgãos da freguesia decidir sobre matéria respeitante ao baldio. Na verdade, os baldios não são matéria que, à partida, deva ser considerada de poder local. Havendo assembleia de com- partes é a esta, como conjunto de compartes de um bem comunitário gerido e possuído pela comunidade, e não aos eleitores recenseados que cabe decidir as questões que aos baldios respeitam. E nem se diga que uma eventual coincidência do universo dos compartes com o dos eleitores recenseados, como consta de informação prestada nos autos e pode resultar da lei (n.º 6 do artigo 33.º da Lei dos Baldios) para os casos de “renitente inexistência de recenseamento dos compartes, por inércia de todas as entidades referidas nos n. os  3 e 4” (assembleia de compartes, grupos de 10 compartes ou junta de freguesia), permitiria metamorfosear cidadãos eleitores interessados na coisa pública em compartes de uma propriedade comunal. Não permite pois os títulos de intervenção são irremediavelmente diversos: os baldios pertencem à comunidade dos vizi- nhos e não aos fregueses. Tanto basta para que a matéria em causa seja, desde logo, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da LORL, considerada insuscetível de submissão a um referendo local, o que inviabiliza a realização do presente referendo. 8.2. Ainda que, porém, assim se não entenda, outra não será a conclusão a que se chega. Vejamos. O artigo 22.º da Lei dos Baldios prevê a possibilidade de os compartes delegarem poderes de adminis- tração na junta de freguesia, em relação à totalidade ou a parte do baldio. Tal delegação deve ser deliberada em assembleia de compartes [artigo 15.º, n.º 1, alínea l), da Lei dos Baldios] e obedecer ao prescrito no n.º 4 do artigo 22.º do mesmo diploma, segundo o qual, no ato de delegação, deverão formalizar-se os respetivos termos e condições, nomeadamente os direitos e os deveres inerentes ao exercício dos poderes delegados. Independentemente de uma possível discussão quanto à natureza jurídica desta “delegação de pode- res”, o que importa aqui reter é que a lei permite que os compartes transfiram o exercício de competências

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