TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
503 acórdão n.º 96/12 Consequentemente, estes meios de produção comunitários (nos quais se incluem os baldios) são imputáveis, quanto à titularidade-dominial, a uma coletividade-comunidade de habitantes que não se confunde com as cole- tividades territoriais autárquicas. Esta titularidade dominial é dos «povos», «utentes», «vizinhos» ou «compartes» e não já das freguesias ou grupos de freguesias (neste sentido um parecer do Prof. Gomes Canotilho, junto ao processo n.º 71/89, no qual foi tirado o já citado Acórdão n.º 325/89). A titularidade dominial dos baldios, tal como acaba de ser definida, significa que, nos termos constitucionais, as comunidades locais são titulares dos seus direitos coletivos – sejam de gozo, sejam de uso, sejam de domínio – como comunidade de habitantes, valendo quanto a ela os princípios da autoadministração e autogestão. […] Verificou-se assim, neste domínio, uma alteração de filosofia política que conduziu ao desenvolvimento de uma lógica de autonomia acrescida dos «bens comunitários» face ao Estado, e ao desenvolvimento de uma lógica de desestatização. Com isto, os baldios viram sublinhada a distinção entre a titularidade comunitária e a propriedade pública, bem como a diferença entre domínio cívico e domínio público. [...]”]» Destes Acórdãos ressaltam claras não só as características deste tipo de “bem comunitário” – «terrenos possuídos e geridos por comunidades locais», de acordo com o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 68/93, de 4 de setembro (doravante Lei dos Baldios) –, mas também a sua evidente autonomização em relação aos bens que são titularidade das coletividades territoriais autárquicas e que estão submetidos à administração dessas mesmas autarquias. 7. A possibilidade de realização de referendos a nível local está prevista no n.º 1 do artigo 240.º da Constituição, o qual estatui que as autarquias locais podem submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer. No caso presente, tendo em atenção o objeto do referendo em causa, não são manifestas as hipóteses de possível desconformidade material entre qualquer dos sentidos possíveis do resultado da consulta e a Consti- tuição da República, ou seja, não se descortina que qualquer das duas possíveis respostas à pergunta formulada – sim ou não – determine a prática de atos desconformes com a Constituição (no sentido da apreciação da constitucionalidade material da questão colocada, no âmbito do controlo da constitucionalidade do referendo, pronunciou-se oTribunal, desde logo, no Acórdão n.º 288/98, disponível, como todos os outros Acórdãos deste Tribunal adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt ) . Por outro lado, resultando da lei que, além de limites temporais, existem limites positivos e negativos cuja ultrapassagem inviabiliza, de todo, a realização de um referendo local, analisar-se-ão, desde logo, eventuais ilegalidades resultantes da violação de tais limites, apenas se examinando outras eventuais ilegalidades que sejam suscetíveis de sanação se, acaso, nenhuma existir que inviabilize, em definitivo, a realização do referendo. Pode, assim, passar-se à análise do referendo no que respeita à inserção da matéria na competência dos órgãos da autarquia, em que, como se afirmou no Acórdão n.º 359/06, “(…) a verificação do respeito pelo limite constitucional («…incluídas nas competências dos seus órgãos») se desloca para o confronto com o regime jurídico constante da lei ordinária. […].”. 8. O referendo local só pode ter por objeto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusi- vas, quer partilhadas com o Estado ou com as regiões autónomas (artigo 3.º, n.º 1, da LORL), sendo certo que algumas matérias estão expressamente excluídas do âmbito do referendo (artigo 4.º do mesmo diploma). Daí que se torne necessário determinar se a questão que, em concreto, se pretende colocar ao eleitorado pre- enche as exigências do n.º 1 do artigo 3.º da LORL. 8.1. Um primeiro problema que se pode colocar é o de saber se um eventual arrendamento de terreno baldio (caso se admita legalmente possível) deve ser decidido por órgãos da freguesia.
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