TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
502 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL baldios que se formaram os princípios constitucionais relativos aos bens comunitários. Isso decorre naturalmente do contexto histórico da formação da parte económica da Constituição a esse respeito, da evidente ligação entre o conceito constitucional de ‘bens comunitários’ e a definição dos baldios constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 39/76 (‘terrenos comunitariamente usados e fruídos’), bem como com o conceito de ‘coisas comuns’ do Código Civil de 1867, cuja componente principal eram justamente os baldios”. Aliás, a caracterização dos baldios como componente essencial dos “bens comunitários” é unânime na dou- trina, como coisa que não carece de demonstração, de tão evidente que é. Por outro lado, e no que respeita à natureza jurídica dessa categoria de bens, considerou-se no Acórdão que a referência a “bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais” [alínea c) do n.º 2 do artigo 89.º da Constituição na sua versão originária] “apontava claramente para a ideia de que tais bens não apenas estariam na posse e gestão das comunidades locais, como também lhes pertencia a respetiva titularidade, visto que, de outro modo, não se justificaria a qualificação de tais bens (‘bens comunitários’), o que não ocorria no caso das alíneas a ) e b) do mesmo n.º 2 do artigo 89.º da Constituição, quanto aos dois outros subsetores do setor público”. [...] Era assim indiscutível, segundo o entendimento perfilhado no aresto, que os “bens comunitários” a que se refere a alínea c) são bens “pertencentes a comunidades”, como se diz no proémio desse preceito, distinguindo- -se esses bens, também quanto à titularidade, dos bens “pertencentes a entidades públicas”, designadamente às entidades públicas territoriais (desde o Estado à freguesia). Isto é, esclareceu-se, sem margem para dúvidas, que os «bens comunitários» são mesmo bens pertencentes a comunidades, e não bens pertencentes a entidades públicas. Este ponto passou a ser pacífico na doutrina. […]. Teve entretanto lugar a revisão constitucional de 1989 que introduziu significativas alterações no texto consti- tucional, particularmente no âmbito da organização económica. […] A revisão de 1989 implicou [...] as alterações seguintes: (1) passou a garantir-se, em vez da existência, a coexis- tência de três setores de propriedade dos meios de produção; (2) os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais, deixam de integrar o setor público e passam a fazer parte do setor cooperativo e social; (3) a proteção do setor cooperativo e social da propriedade dos meios de produção, constitui um dos prin- cípios fundamentais da organização económico-social; (4) deixa de se fazer referência à propriedade social e ao seu desenvolvimento. À luz destes preceitos e princípios constitucionais, tendo em conta o exato sentido dos projetos de lei de revisão constitucional citados e o significado dos debates parlamentares travados na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional [...], pode dizer-se que a passagem dos bens comunitários possuídos e geridos pelas comunidades locais, do setor público para o setor cooperativo e social, deve ser entendida como um reforço da garantia constitu- cional desses bens e da sua específica natureza e uma afirmação da sua autonomia dominial. [...] Tem-se, na sua generalidade, por rigorosas as posições defendidas nos textos de que se deixou transcrição podendo assim afirmar-se que os baldios constituem o núcleo essencial e imprescindível dos «meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais» integrados no setor de propriedade cooperativo e social, pertencendo a essas comunidades, comunidades de «vizinhos» ou «compartes» que não se confundem com comunidades territoriais autárquicas, não apenas a posse e gestão, mas também a própria titularidade dominial desses meios de produção. E isto é assim, porquanto, para além das razões já aduzidas, a revisão de 1989, ao desenvolver uma lógica de desestatização dos bens comunitários face ao Estado e ao setor público da propriedade, trouxe para estes bens um acréscimo da sua autonomia enquanto bens integrados no setor cooperativo e social, autonomia essa que há de traduzir-se num reforço da dominialidade comunitária ou cívica dos baldios. [...] A constitucionalização expressa desses meios de produção comunitários torna claro que se visou dar guarida jurídico-constitucional a uma categoria de bens (meios de produção) incluídos no setor cooperativo e social, subje- tivamente imputáveis a título de propriedade, posse e gestão a certas e determinadas comunidades locais.
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