TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

482 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL anteriores à decisão final do processo no âmbito do qual o arguido sofreu as medidas processuais privativas da liberdade tem o sentido de evitar o desconto do tempo de privação de liberdade anteriormente sofrido em processos por factos posteriores de forma a não gerar, em quem tivesse a seu favor um tempo de privação de liberdade sobrante, um crédito ou saldo positivo de tempo de privação de liberdade por conta de um futuro crime, o que poderia equivaler a uma compensação em pena futura como se de um convite a delinquir se tratasse. Desta forma, do que se trata é de evitar situações que repugnariam aos fins preventivos das penas». Tratou-se por isso de afastar uma solução normativa que – como também esclarece Maia Gonçalves ( Código Penal Português Anotado e Comentado , 18.ª edição, Coimbra, pp. 317-318), «(…) podia fornecer aos arguidos um somatório de antigas medidas processuais de coação a descontar em futuras condenações que obstariam ao cumprimento de penas que podiam até ser necessárias para a sua integração». 4. É à luz destas considerações que haverá de verificar-se se a norma do artigo do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal viola, como vem alegado, o princípio da igualdade. Conforme tem sido frequentemente afirmado, não cabe ao Tribunal Constitucional substituir-se ao legislador na avaliação da razoabilidade das medidas legislativas, formulando sobre elas um juízo positivo, e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna. O controlo do Tribu- nal é antes de caráter negativo, cumprindo-lhe tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento intelígível. Por outro lado, como foi salientado, ainda recentemente, no Acórdão n.º 166/10, na linha de anterior jurisprudência de idêntico sentido, «(…) o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discri- cionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional. Numa perspetiva sin- tética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio». Ora, como se deixou já esclarecido, e melhor se explicita no já citado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2011, o segmento final da norma do n.º 1 do artigo 80.º, ao estabelecer um limite temporal para o desconto de medidas processuais privativas de liberdade em processo diferente daquele em que essas medidas foram aplicadas – correspondendo esse limite à data da decisão final proferida no processo no âmbito do qual essas medidas foram aplicadas – tem uma finalidade precisa. Visa  obstar a que o arguido que foi sujeito a medidas processuais privativas de liberdade num processo, no âmbito do qual não pôde proceder-se ao desconto das medidas processuais sofridas ou não pôde proceder-se ao desconto, por inteiro, das medidas processuais sofridas, «(…) mantenha, a seu favor um tempo de privação de liberdade, que lhe possa vir a aproveitar, por via do desconto, na eventual condenação por crime futuro, ou seja, por crime praticado posteriormente à decisão final do processo em que sofreu tais medidas». A ausência desse limite temporal poderia redundar, na prática, num incentivo à atividade delituosa, na medida em que o tempo de privação de liberdade que o arguido tivesse sofrido em processo que culminasse com a absolvição ou a não pronúncia seria descontado na pena de prisão em que viesse  a ser condenado por qualquer outro ilícito penal em que incorresse em momento posterior. Essa situação é muito diversa daquela outra – que o preceito pretende especialmente contemplar – em que a condenação se reporta a facto anterior à decisão de absolvição ou não pronúncia proferida em processo à ordem do qual o arguido sofreu medida cautelar de privação de liberdade. Neste caso, a privação de liber- dade, tornada injusta por não comprovação dos factos que cautelarmente justificavam a medida de coação, poderá ser considerada no cômputo da pena de prisão em que o arguido tenha sido condenado, ainda que em processo diferente, como modo de reparar os danos que lhe foram infligidos com a aplicação dessa medida, sem que daí resulte uma qualquer consequência negativa no plano da prevenção geral das penas.

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