TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acontece que a busca, como meio investigatório, envolve, na maior parte das vezes, uma relativa inde- terminação sobre a exata titularidade do domicílio – v. g., quanto à natureza do título de ocupação ou ao número de residentes – cuja intromissão é exigida pela medida. Envolve, também, uma relativa indeterminação dos concretos objetos a apreender e da respetiva titula- ridade, em conformidade com o juízo meramente indiciário que a fundamenta. Acresce que, como facilmente se compreende, a reserva do domicílio – ainda que partilhado com outras pessoas, em muitos casos ligadas por laços familiares, ou de proximidade existencial, geradores de relações de confiança e solidariedade, naturalmente inibidoras de denúncias – propicia o resguardo pretendido para a ocultação de objetos incriminadores. Assim, a obrigatoriedade de que a extensão da busca judicialmente autorizada estivesse limitada aos espaços integrantes do domicílio comum, especialmente destinados ao uso do suspeito ou arguido, com exclusão dos restantes que lhe são acessíveis, determinaria uma desproporcionada ineficácia da diligência. De facto, não existindo áreas de privacidade exclusivas dos vários habitantes, cuja acessibilidade seja fisicamente vedada aos restantes, mas, ao invés, sendo patente uma partilha de um domicílio unitário, em que – não obstante a eventual coexistência de uma consensual divisão de ocupação de espaço físico – os residentes podem circular livremente, a eficácia da pretensão punitiva do Estado, dependente da utilidade prática da busca, carece da possibilidade de expansão da diligência a todo o espaço integrante da habitação. Aliás, se assim não se considerasse, seria excessivamente fácil e previsível que o agente do crime, para tor- nar a sua atividade ilícita imune a qualquer busca, optasse por ocultar os objetos incriminatórios no espaço tendencialmente afeto aos outros residentes, com ou sem o seu conhecimento. A restrição da reserva do domicílio dos co-habitantes de uma residência sujeita a busca, ainda que não visados pela diligência como suspeitos, é um resultado inerente à circunstância de partilharem do mesmo domicílio, sendo certo que tal diligência tem uma incidência sobretudo espacial e não pessoal. Por outro lado, recorde-se que a norma segundo a qual a autorização judicial de busca domiciliária, em situações de partilha por diversos indivíduos de uma habitação, pode abarcar as divisões onde cada um dos indivíduos desenvolve a sua vida, ainda que não visado por tal diligência, pressupõe que a autorização judicial da busca (e definição da sua extensão) implica, ela mesma, um juízo prévio sobre os respetivos pres- supostos, que avaliará, no caso concreto, a adequação, necessidade e proporcionalidade de tal medida, juízo que é realizado por quem, por imposição constitucional, protege os direitos fundamentais. Assim, a possibilidade de a autorização judicial de busca domiciliária envolver a permissão de devassa de todo o espaço da habitação, incluindo as divisões que, embora de utilização predominante por outros habitantes, sejam acessíveis ao suspeito visado pela diligência, não apenas comporta uma restrição do direito à “esfera privada espacial” adequada à prossecução do princípio da investigação ou da verdade material e, de uma maneira geral, de realização da justiça, que a justificam, como se revela necessária, porque, em concreto (como se assinalou), indispensável à eficácia da diligência, bem como proporcional, em sentido estrito, por se apresentar como correspondente a uma equilibrada ponderação do peso relativo de cada um dos concretos bens jurídicos constitucionais em confronto, ou seja, do peso do agravo produzido para o titular afetado no direito que é objeto da restrição (direito à inviolabilidade do domicílio) e do benefício que justifica a restri- ção (a realização da justiça – refletido na viabilização do efeito útil da busca domiciliária, como diligência de investigação – que se consubstancia na efetivação do direito à tutela jurisdicional efetiva de outros tantos direitos fundamentais protegidos pelas normas incriminadoras). Pelo exposto, conclui-se que o critério normativo em apreciação não constitui restrição inconstitucional do princípio da inviolabilidade do domicílio, não comportando violação do disposto no artigo 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Igualmente, não constitui violação do princípio da plenitude das garantias de defesa do arguido, que, de resto, o recorrente invoca, mas não densifica autonomamente, não se vislumbrando que assuma pertinência como questão independente das proibições de prova consagradas no n.º 8 do artigo 32.º, já analisadas.
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