TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

475 acórdão n.º 216/12 assumido como o garante, por excelência, dos direitos fundamentais. É assim, nos termos da lei, ao juiz que incumbe decidir sobre se, perante as circunstâncias concretas, o interesse da procura da verdade material justifica a medida intrusiva da busca. A propósito desta diligência lê-se no Acórdão n.º 278/07 que “(…) atenta a relevância do valor em causa e a correspondente gravidade da sua ofensa, considera-se constitucionalmente imposto que a verificação da legitimidade desta ofensa, para salvaguarda de outros valores ou interesses constitucionalmente tutelados, seja sujeita a controlo judicial”. A intervenção do juiz, aferindo da existência de uma suspeita razoável, e fixando os termos em que a busca pode ter lugar, incluindo a sua abrangência espacial, tem, assim, uma função predominantemente garantística. De facto, como já se defendeu no Acórdão n.º 114/95, no tocante ao “(…) controlo judicial da exis- tência de indícios de ocultação, em casa habitada, de quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova (…) a intervenção do juiz é exigida pela preocupação de controlar a legalidade da diligên­cia e, bem assim, garantir os direitos fundamentais dos cida­dãos, no caso, o direito à inviolabilidade do domicílio”. Fica, deste modo, cometida ao juiz a tarefa de ponderar, casuisticamente, se, perante as circunstâncias concretas, nomeadamente o grau de indiciação da ocultação dos objetos, no local referenciado, se justifica a diligência intrusiva. 12 . Dúvidas não há de que a restrição, constitucionalmente autorizada, do direito de inviolabilidade do domicílio imposta pela norma que permite que o juiz ordene uma busca domiciliária quando existam indícios de que alguém oculta, num local de residência, objetos relacionados com um crime que possam ser- vir de prova, demonstra aptidão para alcançar o objetivo da prossecução do princípio da investigação ou da verdade material e, de uma maneira geral, de realização da justiça, que a justificam, não onerando de forma imponderada aquele direito. Mas, no caso em análise, a questão está em saber se pode a lei prever que a autorização judicial de busca domiciliária possa abranger o domicílio partilhado por vários indivíduos, que o utilizam em comum, abar- cando as divisões em que cada um desenvolve a sua vida, ainda que não visados pela diligência. Ponderando as implicações de tal situação de partilha, o Acórdão n.º 507/94 julgou inconstitucional o entendimento de que o consentimento exigido para a busca domiciliária em casa habitada, realizada por órgão de polícia criminal, poderia ser prestado apenas por quem, não sendo visado por tal diligência, tivesse a dispo- nibilidade do lugar em que a busca é efetuada. Seguiu-se, em tal aresto, a tese defendida nomeadamente por Costa Andrade que, citando Amelung, refere que “(…) cada um dos que habitam na mesma casa é portador de um direito fundamental na forma de exigência de omissão dirigida ao Estado e só pode dispor-se de um direito alheio na base de autorização bastante. Na medida em que falta uma autorização no mínimo conclu- dente, o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas na casa habitada por vários (…) Quando um dos membros da casa autoriza que outro dos habitantes permita a entrada de pessoa particular ou do homem do gás, daí não pode concluir-se que o autorize também a franquear a porta a quem vem preparar a sua condenação, isto é, a inflição de um mal” (Amelung apud M. da Costa Andrade, op. cit ., pp. 51 e 52). Em suma, sem uma prévia intervenção judicial garantística, o consentimento do visado pela diligência de busca assumiria um papel fulcral. A situação é, porém, substancialmente diversa, no presente caso, já que, na norma em apreciação, não está em causa a exigência de consentimento para a realização da busca, mas sim a abrangência da autorização judicial prévia à execução coativa de tal diligência. Neste contexto, convém não esquecer que um domicílio alvo da busca pode ser, como na situação em apreço, residência de outros indivíduos que não os visados, sobre os quais não recaem quaisquer suspeitas de envolvimento na prática ilícita em investigação. A lei não faz depender a busca da relação entre o titular de habitação e os objetos que se procuram, mas da sua existência em determinado local.

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