TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
474 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL der Wohnung ) está intimamente relacionada com a dignidade humana e, ao mesmo tempo, com o mandamento constitucional de respeito incondicional por uma esfera do cidadão para um exclusivamente privado – “persona- líssimo” – desenvolvimento ( eine ausschließlich private - eine “höchstpersönliche” – Entfaltung )”, daí decorrendo a necessidade de garantir o “direito de ser deixado em paz”, maxime no que concerne às “dependências domiciliares” onde a pessoa desenvolve, em reserva, a sua vida privada.» 10. A proteção da inviolabilidade domiciliária, à semelhança dos restantes direitos fundamentais, não consubstancia um direito absoluto ou ilimitado. De facto, a própria Constituição, no n.º 2 do artigo 34.º, admite que a entrada no domicílio dos cida- dãos contra a sua vontade pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei. Fica, assim, definida uma autorização constitucional expressa para o estabelecimento de restrições à inviolabilidade do domicílio, que estão sujeitas à reserva de lei – que definirá os seus concretos termos – e ao controlo da autoridade judicial competente. Isso mesmo se retira do Acórdão n.º 364/06, no qual se pode ler que “não existe norma constitucional de que possa retirar-se a completa imunidade de um espaço a buscas judiciais: basta, para o efeito, atentar no disposto no artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, que proíbe a abusiva intromissão na vida privada e no domicílio, o que obviamente significa que existem intromissões constitucionalmente permitidas. Entre estas situam-se, sem dúvida, as buscas judiciais que tenham lugar nos casos e segundo as formas previstas na lei, que a Constituição admite quando se trata da entrada no domicílio dos cidadãos (cfr. artigo 34.º, n.º 2, da Constituição)”. Na mesma linha, resulta do n.º 8 do artigo 32.º da Lei Fundamental que a nulidade das provas obtidas por intromissão na vida privada, nomeadamente no domicílio, se verifica quando tal intromissão seja “abu- siva”, devendo considerar-se abrangida por tal qualificativo a intromissão “efetuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (artigo 34.º, n. os 2 e 4), quando desnecessária ou desproporcional ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. artigo 18.º, n. os 2 e 3)” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., p. 524). 11 . A restrição do âmbito máximo de proteção do domicílio deve ser entendida à luz da necessidade de proteger outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados. A busca domiciliária, autorizada por despacho do juiz competente, ao abrigo do artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, consubstancia uma restrição do direito à inviolabilidade do domicílio, que é justi- ficada pela necessidade de salvaguardar o interesse da realização da justiça. Como atrás se sublinhou, a opção da lei processual penal de viabilizar a busca domiciliária coativa, sujeitando-a, em regra, a prévia autorização e conformação judicial – quanto à determinação dos seus termos e extensão – alicerça-se na autorização constitucional expressa do artigo 34.º, n.º 2, da CRP. Na verdade, a importância dos bens jurídicos tutelados pelo direito criminal – que comportam uma necessária referência à ordem axiológica constitucional, correspondendo a uma concretização de valores liga- dos, primacialmente, aos direitos, liberdades e garantias, no âmbito do direito penal clássico ou de justiça, e ainda à concretização de valores constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização económica, como se verifica, em regra, no caso do direito penal secundário (cfr. J. de Figueiredo Dias, “O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Jornadas de Direito Criminal , Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 323.) – justifica uma compressão de direitos fundamentais, como a da inviolabilidade do domicílio, desde que a mesma não se mostre excessiva. A exigência legal de uma autorização judicial prévia da busca domiciliária pretende assegurar uma pon- deração casuística entre o valor do contributo previsível da diligência para o apuramento da verdade material e a violação da reserva da vida privada que a sua realização acarreta. Esta exigência da autorização comporta a garantia de uma prévia e casuística ponderação confiada a quem, como já referimos, é matricialmente
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