TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

473 acórdão n.º 216/12 8 . A Constituição da República Portuguesa consagra a proteção da reserva do domicílio, no artigo 34.º, referindo que o mesmo é inviolável. A abrangência da noção de domicílio, para efeito de interpretação desta disposição constitucional, é mais ampla do que o âmbito de idêntico conceito, operatório no domínio do Código Civil. A este propósito, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2007, p. 540): «Tendo em conta o sentido constitucional deste direito, tem de entender-se por domicílio, desde logo, o local onde se habita – a habitação – , seja permanente, seja eventual; seja principal ou secundária. Por isso, ele não pode equivaler ao sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas, certamente incluindo também as habitações precárias, como tendas, “roulottes”, embarcações), abrangendo também a residência ocasional (como o quarto de hotel) (…)» Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Tomo I, Coimbra Edi- tora, 2.ª edição, 2010, p. 759), por sua vez, escrevem: «Qualquer tentativa de aproximação ao conceito de domicílio não pode perder de vista o bem jurídico que este direito fundamental pretende proteger, no caso concreto a chamada “esfera privada espacial”. Assim, a qualificação de qualquer espaço como domicílio implica, necessariamente, que aí se resida, isto é, que aí se pratiquem atos relacionados com a vida familiar e com a esfera íntima privada.» Mais acrescentam os mesmos Autores ( ibidem ) que “(…) é possível extrair um requisito fundamental para a determinação do conceito de domicílio: a existência de uma compartimentação espacial suscetível de evitar ou limitar a possibilidade de violações ou entradas.” Conclui-se, nestes termos, que o conceito de domicílio, para efeito de proteção constitucional, cor- responde ao espaço funcionalmente utilizado como habitação humana, local reservado que é o centro da vida pessoal e familiar de cada um, ou seja, “(…) aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde, reca- tadamente e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar” (cfr. Acórdão n.º 452/89, disponível in www.tribunalconstitucional.pt ) . 9. O direito à inviolabilidade do domicílio surge associado à proteção de vários bens jurídicos funda- mentais, como a dignidade da pessoa, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e, sobretudo, a garantia da liberdade individual, autodeterminação existencial e garantia da reserva da vida privada (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit , p. 539). Corresponde, essencialmente, à proteção da habitação, “enquanto projeção espacial da pessoa” (Amorth, La Costituzione Italiana , p. 62), ou, mais incisivamente ainda, enquanto “instrumento necessário de uma completa mani­festação da liberdade individual “ (Florian, apud Novissimo Digesto Italiano , volume VI, p. 180)” (em especial, Acórdão n.º 452/89, mas também, v. g. , o Acórdão n.º 507/94, no mesmo sítio da internet ). Sintetizando o sentido da jurisprudência constitucional, a propósito deste direito, pode ler-se no Acór- dão n.º 274/07 (igualmente no referido sítio da internet ): « (…) dir-se-á agora, apenas, que a inviolabilidade do domicílio densifica um direito fundamental que garante à pessoa, numa precipitação que traduz o reconhecimento da sua dignidade ética e concretiza a tutela jusfunda- mental do seu livre desenvolvimento (cfr. artigo 26.º), um elementar espaço de vida” – elementaren Lebensraum –, ou uma “esfera privada espacial” – räumliche Privatsphäre – (cfr. BverfGE 51, 97 e BverfGE 109, 279), colocada na livre disponibilidade do seu titular. Formulação esta que acompanha de perto as considerações vertidas no recente Acórdão de 4 de março de 2004 do Bundesverfassunsgericht (…), onde se considerou que “a inviolabilidade do domicílio ( Unverletzlichkeit

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