TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

455 acórdão n.º 213/12 Tal como se julgou no mencionado Acórdão, igualmente quanto a uma interpretação incidente, ainda que noutra dimensão normativa, sobre o direito ao recurso, é, deste modo, afetada «“a confiança” que a parte deposita no ordenamento jurídico regulador dos meios de defesa dos seus direitos, confiança essa que é tute- lada pelo princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP». O justificado investimento de confiança dessa parte na qualificação de um processo executivo entrado posteriormente ao início de vigência da nova lei como um processo não pendente, nessa data, levou-a à ado- ção de um comportamento processual que acarreta para si, em face da interpretação que o tribunal recorrido fez da norma impugnada, a perda da possibilidade de exercitar o direito ao recurso. III − Decisão Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), a norma do artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, quando interpretada no sentido de que às ações executivas intentadas após o início da vigência daquele diploma e que tenham que correr por apenso à ação declarativa, não se aplica o novo regime de recursos instituído por este; b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada em conformidade como presente juízo de inconstitucionalidade. Custas pelo recorrido, fixando-se a taxa em 25 unidades de conta. Lisboa, 24 de abril de 2012. – Joaquim de Sousa Ribeiro – José da Cunha Barbosa – João Cura Mariano (com declaração de voto que junto) – Catarina Sarmento e Castro (com declaração de voto) – Rui Manuel Moura Ramos. DECLARAÇÃO DE VOTO Embora tenha subscrito a decisão de inconstitucionalidade não acompanhei a fundamentação deste Acórdão, segundo a qual a interpretação normativa fiscalizada, devido ao seu caráter surpreendente e impre- visível, violava o princípio da proibição da violação da confiança, insito na ideia do Estado de direito demo- crático (Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, p. 840, defende que uma interpretação inovatória e surpreendente em processo civil pode violar o direito constitucional a um processo equitativo, não deixando, contudo de referir que a declaração dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional é controversa por se situar na fronteira das figuras do controlo normativo e do recurso de amparo). Na verdade, tenho muitas dúvidas sobre se o juízo fundamentador efetuado pela maioria se insere nos poderes de fiscalização do Tribunal Constitucional, uma vez que estamos perante uma declaração de incons- titucionalidade que tem como pressuposto a constatação de uma contradição flagrante entre uma interpreta- ção da lei surpreendente e imprevisível e a própria lei que defrauda as expectativas do cidadão que recorreu a um processo judicial confiante numa aplicação correta das regras processuais que a lei consagrava. Penso que estamos perante um caso de inconstitucionalidade indireta (sobre este conceito vide Rui Medeiros, em A decisão de inconstitucionalidade, pp. 360-365, da edição de 1999, da Universidade Católica), uma vez que o juízo de inconstitucionalidade, embora tendo como parâmetro o princípio estruturante da proibição da violação da confiança, também aqui resulta da verificação prévia de uma interpretação da lei que

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