TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

454 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL à data de instauração da ação declarativa que lhe fornece o título executivo e a que está apensa, devendo antes ser utilizado como elemento de comparação a data de interposição da própria ação executiva, por atinência ao início de vigência da lei nova, então devem ser valoradas como estando em situação de igualdade, para este efeito, todas as ações executivas interpostas posteriormente a esse início. O tratamento diferenciado do que deve ser tido por igual, à luz do critério relevante, violará, em consequência, o princípio da igualdade. O conteúdo e alcance dos regimes em confronto oferecem, todavia, resistência a esta aplicação do prin- cípio da igualdade. Se este traduz “uma exigência axiológica à própria lei”, como quer Castanheira Neves ( O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos supremos Tribunais , Coimbra, 1983, p. 120), tendo como matriz muito próxima a ideia regulativa de base da igual dignidade de todos os homens, então o injustificado tratamento desigual deve simultaneamente representar um tratamento desfavorável, lesivo de interesses, em afetação da igual consideração devida aos respetivos titulares e da “ordem constitucional de valores” (cfr. a declaração de voto de Figueiredo Dias, apensa ao Parecer da Comissão Constitucional n.º 2/81, in Pareceres da Comissão Constitucional , 14.º vol., Lisboa, p. 150). Dificilmente se poderá sustentar ser esse o caso, na questão sub judicio . Na verdade, o regime de recursos novo e o antigo não divergem apenas quanto à duração do prazo de interposição, pois a mudança traduziu- -se também (ou sobretudo) na concentração num momento processual único dos atos de interposição do recurso e da apresentação de alegações. Independentemente da configuração do interesse da recorrente, no caso em concreto, numa apreciação em geral e em abstrato não há razões para considerar o novo regime mais favorável, mais facilitativo do efetivo exercício do direito ao recurso. Tudo somado, mais facilmente se poderá defender o contrário. Sendo assim, a menos que se desligue o princípio da igualdade do seu étimo fundante, parece que estamos fora do seu terreno próprio, mesmo que se adira à ideia de uma “escala móvel da densidade do controlo” (cfr. a referência a este critério praticado pela jurisprudência norte-americana em Reis Novais, Os princípios constitucio- nais estruturantes da República Portuguesa , Coimbra, 2004, p. 115), ou mesmo, até, que se atribua ao princípio «uma dimensão material positiva possibilitadora do alargamento da fiscalização jurisdicional a soluções legisla- tivas incongruentes ou contraditórias» (Gomes Canotilho, “A concretização da Constituição pelo legislador e pelo Tribunal Constitucional”, in Nos dez anos da Constituição , Lisboa, 1987, pp. 347 e segs., p. 355). 8. A solução de considerar pendente, no início de vigência da lei nova, um processo executivo ainda não instaurado, nessa data, mostra-se, todavia, em si mesma, como surpreendente e imprevisível, em face, desde logo, do enunciado normativo do qual ela é extraída. Nenhum dos cânones hermenêuticos em geral prati- cados suportam tal interpretação. Distante da letra da lei, ela não é amparada por qualquer outro elemento interpretativo. Desconhece ainda este Tribunal qualquer corrente jurisprudencial ou doutrinal que a acolha. Pelo con- trário, no panorama jurisprudencial dos nossos tribunais superiores é de aplicação generalizada o critério de que só está pendente o processo executivo em que o pedido que é da sua essência e lhe dá identidade própria (“a reparação efetiva do direito violado”) já foi formulado perante o tribunal e ainda não se encontra decidido com trânsito em julgado. «Ora – como se deixou expresso no Acórdão n.º 413/02 – se é certo que ao Tribunal Constitucional não compete sindicar o modo como o direito infraconstitucional – e neste âmbito restrito – é interpretado, não pode deixar de ponderar, na apreciação da constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa e para efeitos de determinar as consequências que advêm para a parte que ela afeta, o entendimento comum, ou mesmo pacífico, na jurisprudência, sobre a questão». Assim, não pode o Tribunal deixar de ponderar, em face daquele conjunto de dados, que a solução é de molde a contender com as exigências de calculabilidade e previsibilidade inferíveis do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. Os interessados em recorrer não podem razoavelmente contar com a interpretação impugnada, mesmo cumprindo os ónus de uma conduta processual diligente e observando os ditames de prudência técnica.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=