TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
452 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 303/2007 ofende o princípio da igualdade, argumentando simplesmente, como faz o acórdão recorrido, que “estamos perante situações diferentes, para cada uma delas se aplicando um regime também diferente”. Não basta, na verdade, assinalar uma diferença entre duas situações, para que de imediato fique res- paldada, em face do princípio da igualdade, uma diferenciação de tratamento legislativo. Como conceitos normativos, igualdade e desigualdade são conceitos relativos e conceitos de valor, já que só podem deter- minar-se em função de certos elementos de comparação, adequadamente selecionados de entre o todo das características conformadoras das situações e submetidos a uma qualificação à luz de um critério valorativo coerente com o fim do tratamento jurídico (cfr. Maria da Glória Ferreira Pinto, “Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carregada’ de sentido?”, in separata do Boletim do Ministério da Justiça , n.º 358, Lisboa, 1987, pp. 16-29). Em caso de tratamento desigual, o ponto decisivo está em saber se a característica destacada como distintiva tem valor significante para conferir sentido legítimo e fundamento material sufi- ciente à diferenciação jurídica. Questão a que só poderá responder-se através de uma valoração comparativa das situações em confronto, do ponto de vista relevante (que só pode ser o fornecido pelos fins da norma em causa), conducente a um juízo qualificativo dessas situações como iguais ou desiguais. Como o Tribunal tem repetidamente afirmado e a doutrina, em geral, igualmente acentua, o que o princípio da igualdade proíbe «(…) são as distinções de tratamento que não tenham justificação e funda- mento material bastante (…)» (Acórdão n.º 14/00). E, «(…) como destituída de fundamento razoável não há que considerar apenas a diferenciação de tratamento que possa considerar-se verdadeiramente arbitrária, mas também aquela que se baseie num critério que não possa ser relevante, considerando o efeito útil visado (…)» (Acórdão n.º 275/02). Vazando esta metodologia para a questão que nos ocupa, concluir-se-á que o que importa é decidir se o correrem por apenso a uma ação declarativa que lhes fornece o título executivo é fundamento bastante para que as ações executivas instauradas após a entrada em vigor do novo regime sejam colocadas fora do domínio de vigência desse regime, em tratamento diferenciado de idênticas ações que não apresentem essa característica. Sendo os “processos pendentes” excluídos da aplicação da nova lei, urge determinar se aquele é um elemento materialmente diferenciador, fornecendo um ponto de vista relevante, que deva contar como critério de qualificação e de integração nessa categoria, com as inerentes consequências de regime. 6. É pela negativa que respondemos a esta questão. Na verdade, considerar a ação executiva como pendente à data da entrada em vigor da nova lei, não obstante ter sido instaurada posteriormente, pelo simples facto de correr por apenso a uma prévia ação declarativa, iniciada anteriormente àquela data, implica a rejeição de autonomia do processo executivo que obedeça a essa característica. E esse passo foi expressamente dado, quer pelo despacho de não admissão do recurso, quer pela decisão recorrida, que indeferiu a subsequente reclamação. Mas negar, nessas circunstâncias, a independência do processo executivo contraria frontalmente dados normativos e de dogmática processual bem consolidados. “As ações são declarativas ou executivas”, proclama categoricamente o n.º 1 do artigo 4.º do Código de Processo Civil. Cada uma destas distintas categorias de ação tem natureza, função e regimes próprios, cabendo à ação executiva a “reparação efetiva do direito vio- lado”. Não pode, sequer, falar-se de um vínculo de dependência da ação executiva em relação à declarativa, tida como a ação principal, pois, como bem anota Lebre de Freitas, «as duas ações coordenam-se funcional- mente, mas sem subordinação duma à outra» ( A ação executiva , 4.ª edição, Coimbra, 2004, p. 21, n.º 35-A). E nada muda pelo facto de o título executivo advir de uma ação declarativa, contrariamente ao sus- tentado no acórdão recorrido, para o qual «(…) tal autonomia não se verifica, designadamente por o título executivo, a tomar em consideração em sede de execução, estar contido na ação declarativa». A “certificação”, por um título executivo, do direito violado é um pressuposto de admissibilidade de toda e qualquer ação executiva. “Toda a execução tem por base um título (…) diz-nos o artigo 45.º, n.º 1, do CPC. Mas, por ser assim, o título executivo é um prius em relação à ação executiva, está antes do início e fora da tramitação a que ela dá lugar − ressalvadas as hipóteses particularíssimas dos artigos 825.º, n.º 2, e
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