TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
444 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL órgão da execução”, in Cadernos de Direito Privado , n.º 1, dezembro de 2010, p. 8), a verdade é que as exerce episodicamente e como profissional liberal. A competência que é atribuída ao agente de execução no processo executivo – incluindo a prática de atos fundamentais como a penhora, a venda e o pagamento – não põe em causa a exclusividade do exercício da função jurisdicional pelos tribunais, razão pela qual o juiz de execução deve intervir sempre que haja de resol- ver um conflito de interesses entre as partes da execução, ou entre estas e terceiros. Nas impressivas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, “enquanto o agente de execução executa mas não decide, o juiz de execução decide mas não executa”. Da enunciação dos atos processuais em relação aos quais o juiz possui competência exclu- siva ( v. g ., julgamento da oposição à execução e à penhora, verificação e graduação dos créditos reclamados, nos termos do artigo 809.º, n.º 1, do CPC), retira-se que a imparcialidade do órgão – o tribunal – se mostra garantida pela atividade do juiz, e não depende da atuação do agente de execução. A este está reservada uma outra função: a de tornar efetivo o crédito do exequente. Trata-se, portanto, de uma atuação que se justifica pelo interesse em dar pronta satisfação ao crédito do exequente, sendo exercida por profissional liberal, sujeito a um especial estatuto profissional de caráter público – fixado por lei – que lhe impõe um comportamento lícito, isento, e protegido por segredo profissional (artigos 109.º, 110.º, 114.º e 115.º do ECS). 9. As exigências que caracterizam a atividade dos agentes de execução são salvaguardadas pelas regras de deontologia profissional que os vinculam, constantes do seu Estatuto. Com efeito, o Estatuto da Câmara dos Solicitadores preocupa-se em estabelecer garantias de isenção do trabalho do agente de execução. O exercício de funções de agente de execução é incompatível com outras funções (artigo 120.º do ECS), e o agente de execução está sujeito ao regime estabelecido no CPC no que toca aos impedimentos e suspeições dos funcionários da secretaria (artigo 121.º, n.º 1). Por outro lado, nos termos do artigo 121.º, n.º 2, alínea a), do ECS o agente de execução não pode exercer as suas funções quando haja participado na obtenção do título que serve de base à execução e quando tenha representado judicialmente alguma das partes nos últimos dois anos [alínea b) ]. Visa-se com isso, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “evitar (…) colocar em perigo a independência e a imparcialidade da sua atuação na execução” ( A Reforma … cit ., p. 54). Por outro lado, nos termos do artigo 115.º, n.º 2, do ECS, o solicitador de execução está impedido de exercer o mandato judicial, em representação do exequente ou do executado, durante três anos contados a partir da extinção do processo de execução. São regras que demonstram, afinal, que o legislador pretendeu dignificar profissionalmente a atividade do solicitador de execução, garantindo-lhe um mínimo de independência face aos interesses que defende no processo, o que se mostra suficiente para afastar os receios que a norma objeto do presente recurso suscita à recorrente. O que, obviamente, o Estatuto não poderá prever é a total independência do solicitador de exe- cução face à atividade que justifica, afinal, a existência da figura e que é, conforme se viu já, o interesse em dar pronta satisfação ao crédito do exequente. Desta forma, a norma entrega a avaliação da eficácia da atuação do solicitador de execução a quem melhor a pode aferir, e que é, precisamente, o principal interessado na tramitação célere e eficaz da execução: o exequente. Assim, para além de ser nomeado pelo exequente, o agente de execução pode ser livremente destituído sem ser necessário invocar qualquer fundamento específico para esse efeito, e esse poder de destituição livre do solicitador de execução aproxima-o de uma relação de direito privado de mandato; a introdução da pos- sibilidade de destituição livre do agente de execução pelo exequente veio, afinal, impor a este órgão do pro- cesso executivo que atue em sintonia com o interesse do exequente, o que nada tem de constitucionalmente reprovável, tanto mais que, como consequência do seu caráter de profissional liberal, a remuneração que o agente de execução aufere é aquela que respeitar os serviços prestados. Nestes termos, haverá que concluir que a norma objeto do presente recurso, que permite que o agente de execução pode ser livremente substituído pelo exequente, não põe em causa, para além do admissível, a independência e a imparcialidade que se mostram exigíveis ao agente de execução.
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