TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

443 acórdão n.º 199/12 o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, que procedeu a nova reforma do regime da ação executiva em processo civil, com o objetivo de “tornar as execuções mais simples e eliminar formalidades processuais desnecessárias”, como se lê no preâmbulo do diploma. Na prática, esta opção legis- lativa conduziu a uma redistribuição das competências funcionais entre os órgãos da execução, traduzida no reforço da posição do agente de execução e na correspondente diminuição do papel do juiz de execu- ção. Ao agente de execução foi atribuído o poder de direção do processo executivo, tal como resultou da redação dada ao artigo 808.º, n.º 1, do CPC, ao estabelecer que cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências de execução, sendo genericamente reforçados os seus poderes processuais. Eliminou-se então a menção, feita anteriormente pelo n.º 1 do artigo 809.º do CPC, de que ao juiz cabia “um poder geral de controlo do processo”. O poder de controlo exercido pelo juiz passou a ter de ser solicitado pelo interessado, sendo desempenhado caso a caso, de modo meramente “cassatório”, uma vez que o juiz se limita a controlar o ato ou a decisão do agente de execução, sem se substituir na realização do ato ou da tomada da decisão. Na formulação de Miguel Teixeira de Sousa, pode dizer-se, enfim, que «o agente de execução é o órgão ao qual incumbe a condução do processo executivo e o juiz de execução torna-se o “juiz dos incidentes” desse processo» ( A Reforma da Ação Executiva , Lex, Lisboa, 2004, p. 16). Após a reforma de 2008 os poderes de supervisão e controlo do juiz sobre o agente de execução foram atenuados; foi eliminada a possibilidade de o solicitador de execução ser destituído oficiosamente pelo juiz de execução. Por seu turno, foi alterado o artigo 116.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, onde se dispunha que o solicitador atua na dependência funcional do juiz de execução, passando a atuação do agente de execução a ser feita exclusivamente sob fiscalização da Comissão para a Eficácia das Execuções. Em suma, após a reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, a atividade do agente de execu- ção tornou-se mais independente do controlo do juiz. 8. É no contexto dessa reforma que surge a norma objeto do presente recurso, que veio prever a possi- bilidade da livre substituição do agente de execução pelo exequente. Considera a recorrente que essa norma coloca em causa a independência e imparcialidade dos tribunais. O princípio da imparcialidade dos tribunais decorre desde logo dos artigos 202.º e 203.º da Consti- tuição, que estabelecem as garantias da função jurisdicional e da independência dos tribunais, e ainda do artigo 20.º da Constituição, que garante o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o que implica o direito de acesso a um órgão independente e imparcial de resolução de conflitos e de administração da justiça (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Coimbra Editora, 2005, p. 186). Cabe aqui afirmar esta dupla dimensão da imparcialidade imposta aos tribunais, que se decompõe na exigência de um processo justo e na equidistância dos agentes que intervêm na administração da justiça. A imparcialidade de que falam estas normas constitucionais reporta-se, portanto, à atividade jurisdicio- nal, visando caracterizar a atuação dos juízes e o poder dos tribunais. Acontece que o agente de execução não exerce nem participa na função jurisdicional, e não integra o “tribunal” enquanto órgão de soberania, sendo- -lhe consequentemente inaplicável o acervo de garantias que vinculam a função jurisdicional. Por outro lado, é bem certo que o processo executivo não perdeu equitatividade com a criação do solicitador de execução, visto que esta figura não interfere nos poderes processuais das partes envolvidas, no equilíbrio do exercício desses poderes, ou na possibilidade de acesso ao juiz nos casos em que tal é autorizado. É certo que a exigência de imparcialidade do funcionamento dos órgãos judiciários não se basta com as exigências impostas ao estrito exercício da função jurisdicional, uma vez que a atividade das autoridades públicas está genericamente vinculada à prossecução do interesse público, impondo-se-lhes que atuem “com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé” (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição). Ora, sendo certo que o solicitador de execução exerce funções próprias de oficial público (José Lebre de Freitas, “Agente de Execução e Poder Jurisdicional”, Themis , Ano IV, n.º 7, 2003, p. 26; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução , Almedina, 2010, p. 140; Miguel Teixeira de Sousa, “Novas tendências de desjudicialização na ação executiva: o agente de execução como

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