TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

442 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A reforma concretizada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, foi impulsionada pela urgente necessidade de rever o sistema de processo executivo, até então marcadamente jurisdicionalizado, o que entravava o efetivo cumprimento do dever de suum cuique tribuere . Conforme escreveu, a este propósito, José Lebre de Freitas ( Agente de execução e Poder Jurisdicional , The- mis, Ano IV, n.º 7, 2003, p. 19), “O desenvolvimento vertiginoso das relações económicas, o esvaziamento dos valores sociais tradicionais, o exacerbamento do liberalismo, o aumento da conflitualidade e o acréscimo de facilidade na deslocação dos bens têm levado, um pouco por toda a parte, à progressiva generalização de comportamentos de fuga ao cumprimento das obrigações jurídicas e a situações de grave estrangulamento do aparelho estadual competente para a execução forçada. Consequentemente, um pouco por toda a parte, pre- ocupam-se, ou fingem preocupar-se, os Governos em erguer barreiras e encontrar soluções para a crescente dissolução da garantia do direito em pântanos de progressiva ineficácia. A década de 90 e o início do século XXI assistiram a um renovar do interesse (pragmático e também científico) pelo processo de execução e pelos institutos que com ele se relacionam: vários países europeus, com a França em primeiro lugar, empreenderam importantes reformas do direito processual executivo; noutros, como a Itália, têm-se sucedido os projetos de reforma, finalmente em vias de passar à forma de lei; no plano da União Europeia, a revisão da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, de 27 de setembro de 1968, finalmente substituída pelo Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, teve como um dos seus pivots o aligeiramento do procedimento de exequatur, no mesmo plano, estuda-se a instituição dum título executivo europeu e tenta-se a harmonização dos regimes da penhora dos depósitos bancários.” Em consequência, o processo de execução saiu da direção do juiz em tudo o que não fosse estritamente ligado à garantia de direitos fundamentais, e passou a ser dirigido pelo agente de execução. Conforme dizia o citado Autor ( ob. cit .), “(…) o exequente designa o solicitador de execução na petição executiva [artigo 810.º, n.º 3, alínea e) ]; mas a indicação não é vinculativa, pois carece de aceitação do designado, na própria petição ou em requerimento avulso apresentado nos 5 dias subsequentes (artigo 810.º, n.º 6); se a designação não for feita pelo exequente ou o solicitador não a aceitar, fá-la-á a secretaria por escala (artigo 811.º-A). Dir-se-ia que, no primeiro caso, nos encontramos perante um contrato de prestação de serviços de direito privado, semelhante ao estabelecido entre a parte e o mandatário judicial, tendo em conta que é o exequente quem paga os serviços do solicitador (embora no final eles entrem em regra de custas: artigo 455.º); mas o exequente não tem o poder de denunciar o contrato, só o juiz podendo destituir o solicitador designado, por atuação processual dolosa ou negligente ou violação grave do dever imposto pelo respetivo estatuto [artigo 808.º, n.º 4], o que o descaracteriza como figura de direito privado. Acresce que o solicitador de execução está sujeito a um regime de impedimentos, como os juízes, os peritos e os funcionários da secretaria (artigo 121.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores), e a algumas incompatibilidades (artigo 120.º do mesmo estatuto). Por outro lado, praticando, como se viu, atos executivos, exerce poderes de autoridade; por isso, o solicitador de execução pode promover a realização de diligências por empregado ao seu serviço, credenciado pela Câmara dos Solicitadores, mas não quando se trate de penhora, venda, pagamento ou outro ato de natureza executiva (artigo 808.º, n.º 6), pois os poderes de autoridade que a lei lhe atribui não são delegáveis, a não ser em outro agente de execução para diligências a efetuar fora da área da comarca e suas limítrofes ou da área metropolitana de Lisboa e Porto (artigo 808.º, n.º 5)”. Importa, assim, fazer notar que, nesta versão inicial, o agente de execução é preferencialmente esco- lhido pelo exequente e que a sua destituição cabia ao juiz da execução, oficiosamente ou a requerimento do exequente, em razão de atuação processual dolosa ou negligente ou violação grave dos deveres estatutários. 7. Em 15 de janeiro de 2008 o Governo apresentou à Assembleia da República uma Proposta de Lei (n.º 176/X) que visava obter autorização legislativa para aprovar medidas destinadas a “aperfeiçoar” o modelo adotado pela “Reforma da ação executiva”. Entre as novas medidas propunha-se o reforço do papel do agente de execução na tramitação das ações executivas. No exercício da subsequente autorização legislativa,

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