TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
440 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Só que recusamos a ideia de que, a sua possível substituição num mero processo pelo exequente, seria passível de, por deixar de receber honorários nesse processo, levar o Agente de execução a favorecer ou prejudicar uma das partes processuais, abdicando da sua imparcialidade e independência, mesmo em abstrato. Os valores da vida em sociedade vão sendo ultrajados, mas pensamos que ainda não chegou tão longe... Concluímos, tal como o Snr. Juiz na decisão recorrida, que a circunstância de o agente de execução ser nome- ado pelo exequente e por este poder ser substituído não obstaculiza a que o agente de execução proceda aos atos de execução em prazo razoável e mediante processo equitativo, não pondo, por isso, em causa a exigência consti- tucional de que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” – cfr. n.º 4 do artigo 20.º da CRP. Também que, apesar de o agente de execução ter uma função de oficial público, não exerce uma função juris- dicional, nem é o “tribunal” enquanto órgão de soberania, que importe apreciar à luz dos artigos 202.º e 203.º, da CRP. Ainda e também que, tal circunstância não põe (nem pode pôr) em causa a independência e imparcialidade do Agente de execução no exercício de tais funções públicas. Conclui-se assim pela não verificação da invocada inconstitucionalidade e pela improcedência da apelação.» 2. É deste aresto que A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), pedindo a fiscalização da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 808.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, por violação dos artigos 20.º, 202.º e 203.º da Constituição. 3. Recebido o recurso, o recorrente apresentou a sua alegação, concluindo do seguinte modo: «A. O Decreto-Lei n.º 226/2008 de 20 de novembro (diploma aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 18/2008 de 21 de abril) operou a reforma da ação executiva. B. No âmbito dessa reforma o legislador previu a possibilidade da livre substituição do agente de execução pelo exequente (artigo 808.º n.º 6 do CPC) e a criação de uma Comissão para a Eficácia das Execuções (novos artigos 69.º-B a 69.º-F do Estatuto da Câmara dos Solicitadores), órgão com poder disciplinar sobre a atuação dos agentes de execução. C. Embora o Agente de Execução se apresente como um misto de profissional liberal e oficial público, a natureza do seu estatuto é predominantemente pública pois ele exerce poderes de autoridade no âmbito do tribunal em que a ação decorre. D. A natureza pública do seu estatuto decorre da função que lhe é atribuída de direção do processo, função anteriormente entregue ao juiz e às secretarias judiciais. E. A Lei Fundamental estipula que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legal- mente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (n.º 2 do artigo 202.º) E isso há de ser feito por tribunais independentes (artigo 203.º) que garantem a todas as partes numa ação um processo equitativo (artigo 20.º n.º 4). F. Os tribunais são órgãos complexos que integram não apenas juízes mas também o Ministério Público e os funcionários judiciais. G. A exigência de independência, imparcialidade, objetividade e isenção estende-se a todos os órgãos que integram esse conceito de tribunal. H. Sendo os agentes de execução oficiais públicos a quem cabe a direção do processo executivo, processo no âmbito do qual eles exercem poderes de autoridade, também a eles lhe são aplicáveis as mesmas exigências. I. A livre substituição do agente de execução, por discricionária e não fundamentada vontade do exequente, ainda para mais tendo em conta a supressão do poder geral de controlo do juiz e a cessação da dependência funcional face a ele, cria objetivamente condições para colocar o primeiro na dependência do segundo.
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