TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

434 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do desporto de alto rendimento, referindo-se no seu preâmbulo, que um dos objetivos visados é o de «suprir a principal fraqueza do regime atualmente vigente, o qual assenta numa definição demasiado permissiva do que deva ser considerado desporto de alto rendimento, com as inerentes consequências ao nível dos apoios públicos concedidos pelo Estado». Concretamente no que respeita ao regime especial de acesso ao ensino superior de que beneficiam os atletas de alta competição, refere o recorrente Ministério da Educação e da Ciência que a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 272/2009 é «imposta pela necessidade de os candi- datos deterem as devidas condições de mérito face ao panorama que vinha ocorrendo de estudantes que não demonstravam o nível de conhecimentos devido e, como tal, desqualificavam aquele grau de ensino, pondo em causa a qualidade, dignidade e reconhecimento do ensino superior público e as necessidades do País em possuir quadros qualificados». Entendendo que o regime de acesso ao ensino superior de que beneficiavam os desportistas de alto rendi- mento, por baseado apenas na nota de conclusão do ensino secundário (cfr. artigos 19.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 393-A/99), afetava a qualidade desse grau de ensino, o legislador decidiu introduzir uma prova de mérito mais exigente, condicionando o acesso à obtenção das classificações mínimas fixadas pelos estabelecimentos de ensino superior para as provas de ingresso e para nota de candidatura. Decisão inteiramente legítima, até porque não desprotege inteiramente o interesse no fomento do desporto de alto rendimento e da motivação para a sua prática, antes estabelece um novo ponto de equilíbrio entre a salvaguarda desse interesse e o de resguardar o ensino superior do acesso de estudantes sem as qualificações suficientes. Mas o que está questionado não é a bondade do sentido da alteração legislativa, mas a sua aplicação imediata aos casos, como os da recorrida, em que os estudantes já realizaram os exames (ou parte deles) para os quais se passa a exigir que tenham obtido as classificações mínimas fixadas para as provas de ingresso e para a nota de candidatura. Nesta situação, quando o estudante se apresentou aos exames nacionais do 11.º ano, realizados no ano letivo anterior (2009/2010), não lhe era possível estabelecer metas e estratégias conformes e adequadas ao cumprimento de uma exigência de classificações mínimas que, à data, não lhe era aplicável. Pelo contrário, a lei então vigente não incentivava um especial cuidado com tais provas, uma vez que apenas exigia aos atletas de alta competição a aprovação nas disciplinas do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso. Uma gestão do tempo (e a sua repartição na preparação dessas disciplinas e no treino desportivo) que tenha procurado tirar proveito desse regime mostra-se razoável e justificada. E o interessado não tinha qualquer razão para se precaver contra a possibilidade de o regime em vigor deixar, quanto a este ponto específico, de o beneficiar, por força da aplicação retrospetiva de um outro, tanto mais que esse regime se encontrava estabilizado por uma vigência normativa de largos anos. Forçoso é, por isso, concluir que estamos perante uma alteração legislativa com que, razoavelmente, os destinatários da norma não podiam contar, na medida em que essa alteração implica ter em consideração factos já parcialmente realizados (classificações obtidas em provas realizadas antes da entrada em vigor da referida lei). E não se diga, em contrário, que aos estudantes colocados nesta situação sempre teria sido pos- sível efetuar novos exames para melhoria da nota. Ainda que assim fosse, mantém-se a razão, determinante, de tais estudantes não contarem, justificadamente, com uma posterior modificação do valor de tais provas no âmbito do seu regime especial de acesso ao ensino superior. Essa modificação é sempre causa de uma prejudicial afetação de expectativas, pois o eventual exercício do direito de repetir as provas do 11.º ano representaria sempre uma notória sobrecarga de esforço, com riscos para o rendimento escolar nas disciplinas do ano letivo em curso.  Da análise precedente resulta que estamos perante uma situação de confiança legítima, cuja afetação por uma mutação legislativa provoca consequências gravosas na esfera do confiante, não sanáveis por medidas ao alcance do próprio, dentro dos limites da razoabilidade e da proporcionalidade. Nessa situação, como se deixou dito, por último, no Acórdão n.º 396/11, «(…) há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente afetados pela alteração do quadro normativo que os regula e o interesse público que justifica essa alteração».

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