TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, conforme resulta da leitura da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, esta não se limitou a enunciar os grandes princípios da política legislativa em matéria de organização e funcionamento dos tribunais judiciais, tendo ela própria definido com o pormenor necessário a estrutura dessa organização e o modo de funciona- mento dos tribunais judiciais. Aliás não existindo na redação da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Cons- tituição, qualquer referência a bases, nunca poderia o legislador parlamentar optar por apenas restringir a sua intervenção a uma lei de simples enunciação de princí­pios normativos, uma vez que estamos num domínio em que existe uma reserva de densificação total (vide, neste sentido, Jorge Miranda, em Manual de direito constitucional , tomo V, pp. 377-378, da 3.ª edição, da Coimbra Editora, e Blanco de Morais, em Curso de direito constitucional , tomo I, p. 326, da edição de 2008, da Coimbra Editora). Contudo, o facto de não se ter aderido à qualificação da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, como lei de bases, não invalida que o decreto-lei aqui sob fiscalização não deva respeitar a reserva da competência legisla- tiva da Assembleia da República estabele­cida na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Conforme resulta da descrição que acima se fez das normas específicas da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, sobre a sua aplicação no tempo, o regime por ela consa­grado, relativo à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, foi instituído numa primeira fase, a título experimental, em determinadas comar- cas piloto, visando-se testar ou ensaiar a aplicação das suas normas, limitando tal aplicação no tempo e no espaço, de modo a permitir uma avaliação dos efeitos e resultados dela decorrentes. Este «método» de legislação tem na sua base uma indecisão do legislador, que adota uma atitude de prudência. Como se disse no Acórdão n.º 69/08 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) relati- vamente a uma lei que adotou igual metodologia, «a “normação experimental” pressupõe antes do mais um legislador indeciso, ou ao qual faltam certezas quanto à regulação definitiva a adotar para o cumprimento de certas políticas públicas ou para a disciplina de certos domínios da vida coletiva. Ao invés, por isso, de esperar que a adequação do Direito às realidades se faça, na continuidade, pela jurisprudência, ou na descon- tinuidade, por reformas legislativas sucessivas – como sucede com o método, chamemos-lhe assim, ‘clássico’ de normação –, o “legislador experimental” testa ou ensaia primeiro, num espaço e num tempo limitados, a aplicação e os efeitos da aplicação das suas normas, a fim de evitar os riscos que, em situações de elevado grau de incerteza quanto aos efeitos de certa regulação, geraria porventura a adoção de sistemas normativos ‘definitivos’. (Pierre-Henri Bolle, “Lois Expérimentales et Droit Pénal”, em Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXX, 1994, pp. 321-335). Assim, o legislador que “experimenta” – tal como o legislador que toma ‘medidas’ para situações que não são nem gerais nem abstratas – parece ser movido por uma racionalidade técnico-económica que será diversa daquela que orienta os métodos ‘comuns’ de legiferação.» Daí que o artigo 187.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 162.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, tenha determi­nado que a entrada em vigor da nova organização judiciária, ao restante território nacional, para além das comarcas piloto, se faria de forma faseada, durante um período de 4 anos, a partir de 1 de setembro de 2010, tendo incumbido o Governo de executar essa apli- cação faseada, através de decretos-lei que definissem as comarcas a instalar em cada fase, tendo em atenção a avaliação do impacto da sua vigência nas comarcas piloto, a efetuar nos termos do artigo 172.º do mesmo diploma. O legislador parlamentar remeteu, pois, para o Governo, a tarefa de avaliar os resultados da aplicação da lei nas comarcas piloto e, de acordo com a avaliação efec­tuada, faseadamente, durante um período de quatro anos, determinar a sua aplicação a outras comarcas do país. Esta atividade legislativa do Governo não é conformadora do regime da organização e funcionamento dos tribunais judiciais, situando-se claramente num domínio de mera execução e aplicação do regime con- sagrado na Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, pelo que se encontra fora da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia Repú­blica estabelecida na alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, sendo, por isso, legítima a remissão para o exercício das funções legislativas do Governo.

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