TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
421 acórdão n.º 174/12 Posteriormente, um novo Governo – ou seja, o atual, o XIX Governo Constitucional – veio elaborar e publicar o Decreto-Lei n.º 113-A/2011, de 29 de novembro, que expressamente revogou o Decreto-Lei n.º 74/2011, de 20 de junho (cfr. artigo 1.º, n.º 1, do primeiro diploma). Como o Decreto-Lei n.º 74/2011, de 20 de junho, muito embora tivesse entrado em vigor em 21 de junho de 2011, tinha os seus efeitos práticos, quanto à extinção de círculos, comarcas, varas e juízos, bem como à instalação de novas comarcas e juízos, diferidos para o dia 1 de dezembro de 2011, não chegou a produzir efeitos, em matéria de alargamento do novo mapa judiciário às comarcas de Lisboa e Cova da Beira, uma vez que foi revogado em 29 de novembro de 2011, pelo Decreto-Lei n.º 113-A/2011, de 29 de novembro, que entrou em vigor logo no dia seguinte, ou seja, a 30 de novembro (cfr. artigo 13.º deste último diploma). Do preâmbulo deste último diploma resulta que se o alargamento do novo modelo judiciário a mais duas comarcas tinha resultado duma imposição do Memorando de Entendimento, assinado em 17 de maio de 2011 entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, uma posterior revisão desse Memorando, que eliminou essa medida, permitiu a reponderação da sua aplicação, tendo o Governo optado por revogá-la. Esta opção foi justificada pelo Governo com a necessidade de reequacionar globalmente a malha judi- ciária, no sentido de criar uma estrutura de tribunais mais simplificada, sem complexidades inúteis e assente em territorialidades sedimentadas pela história e entendíveis pela generalidade da população. Isto, apesar de considerar que a especialização da oferta judiciária e o novo conceito de gestão se apresentavam como elementos positivos do modelo de organização judiciária de 2008, justificando a sua manutenção e reforço. No entanto, da avaliação efetuada, o Governo concluiu que a circunstância da matriz territorial Unida- des Territoriais Estatísticas de Portugal (NUT) ser muito recente, sem tradições e ausente da vida corrente dos cidadãos em geral, não permitia, em muitos casos, a assimilação de centralidades «naturais», obrigando a uma seleção de sedes das NUT com pouca adesão à realidade, nomeadamente nos circuitos de mobilidade interna em cada região, o que, aliado à vantagem de se avaliar o mapa judiciário de forma articulada com as linhas mestras da revisão do processo civil, em curso, garantindo que as duas reformas constituam um todo harmonioso, justificava que se adotassem medidas no sentido de suster a instalação das comarcas de Lisboa e da Cova da Beira, até que se encontrasse definido e consensualizado o novo paradigma de organização judiciária. 2.2. Da inconstitucionalidade orgânica A decisão recorrida, considerando a Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, uma lei de bases que consagrava os princípios vetores do regime jurídico da organização e do funcionamento dos Tribunais Judiciais, enten- deu que o conteúdo do Decreto-Lei n.º 113-A/2011, de 29 de novembro, ao revogar o disposto no anterior Decreto-Lei n.º 74/2011, de 20 de junho, em vez de desenvolver aqueles vetores, como era sua obrigação constitucional, contrariou-os, pelo que sofre de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que legislou inova- toriamente em matéria que competia à Assembleia da República. É certo que, nos termos do artigo 112.º, n.º 2, da Constituição, um decreto-lei que tenha como parâme- tro normativo de referência uma lei de bases, em matéria reservada à Assembleia da República, deve subordi- nar-se aos seus princípios e directrizes. Contudo, não há qualquer razão para qualificar a Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, como uma lei de bases. Nem esta se intitula como tal, nem as características do seu complexo normativo permitem tal qualificação. Na verdade, apenas deve ser considerada uma lei de bases aquela que se resuma à enunciação das opções político-legislativas fundamentais na matéria em causa, através da formulação de princípios normativos, diretrizes ou critérios gerais, contidos em disposições de reduzida densidade, dotados de um grau de inde- terminação tal que exija necessariamente o seu desenvolvimento e concretização através de uma atividade legislativa subsequente.
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