TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
392 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL perspetiva sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio ( Willkürverbot )”. Ora, como resulta do que já anteriormente se disse, impor o regime de tramitação urgente aos processos por crime de violência doméstica, designadamente quanto aos prazos para interposição dos recursos ou à prática dos atos judiciais em férias, não se mostra solução arbitrária, antes se harmoniza com a finalidade de proteção da vítima deste tipo de ilícito, que é um objetivo constitucionalmente legítimo. Com efeito “sem pôr em causa o caráter eminentemente público e indisponível da pretensão jurídico-punitiva do Estado, a necessidade de proteção da vítima concreta e individualizada do crime é hoje por todos considerada uma dimensão irrenunciável de uma política criminal moderna e eficaz” (cfr. Cláudia Cruz Santos, “A ‘Redes- coberta’ da Vítima e o Direito Processual Penal Português” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias , Volume III, pp. 1152-1153). Acresce que esse regime se aplica tanto aos arguidos como aos outros sujeitos processuais, ao Ministério Público e ao assistente, não subsistindo qualquer diferenciação intraprocessual. Em conclusão, a diferenciação de regimes apontada à norma do artigo 28.º da Lei n.º 112/2009 não se baseia em motivos subjetivos ou arbitrários, nem é materialmente infundada. Ela não infringe, por isso, o princípio da igualdade, tal como configurado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição. 8. A invocada violação do princípio da dignidade humana (artigo 1.º da Constituição) também é mani- festamente destituída de fundamento, uma vez que a especial celeridade do processo visa precisamente pro- teger de forma eficaz a dignidade da vítima, não se vendo em que medida pode esse princípio ser atingido pelo facto de o prazo de recurso não se suspender em férias. 9. Da perspetiva do arguido, o que poderia fazer algum sentido seria questionar se o “encurtamento” do prazo é de tal ordem que põe em risco as garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição). Mas também essa pergunta merece resposta negativa. Note-se, em primeiro lugar, que o prazo não sofre diretamente um encurtamento relativamente ao prazo normal. Em tudo o que respeita à duração do prazo e no mais que regula o modo da sua determinação e os requisitos da interposição do recurso, mantém-se incólume o regime geral estabelecido pelo artigo 411.º do CPP, cuja adequação não vem discutida. Tem de reconhecer-se, no entanto, que o facto de a contagem do prazo de recurso não se suspender no período de férias judiciais tem um efeito prático ou indireto de encurtamento do tempo disponível para o exercício do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior àquele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da suspensão em férias judiciais. Porém, não pode considerar-se este efeito violador das garantias de defesa. O interessado continua a dispor do período de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sentença e interpor e motivar o respetivo recurso. Apenas é privado da possibilidade de não ter de praticar tais atos no período de férias judiciais, rectius, deixa de obter a neutralização do período de férias judiciais mediante a suspensão da conta- gem do prazo nesse período. Esse efeito – consequência geral inerente ao facto de o período de férias judiciais não significar a paralização total da atividade dos tribunais – poderá ter reflexos negativos na organização do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o terá no dos demais sujeitos processu- ais), mas não atinge e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, âmbito, formalidades e prazo para o exercício dos poderes processuais competentes se mantém intocados. 10. Finalmente, é irrelevante o argumento de que, em caso de concurso, pode não estar em discussão a parte da decisão recorrida que respeita ao crime de violência doméstica. Não sendo isso que no caso se verifica – e, consequentemente, não integrando tal particularidade a específica dimensão normativa sujeita a fiscalização de constitucionalidade – qualquer discussão a esse propósito seria inútil.
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