TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

390 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurisdicional célere e eficaz às vítimas [alínea h) ]; assegurar a aplicação de medidas de coação e reações penais adequadas aos autores do crime de violência doméstica [alínea i) ]. No capítulo IV, Secção II, do diploma legal e sobre a epígrafe “Proteção policial e tutela judicial efetiva” surge o já transcrito artigo 28.º que atribui natureza urgente aos processos por crime de violência doméstica, mesmo que não haja arguidos presos. Dessa qualificação decorrem consequências quanto à oportunidade e aos prazos para a prática dos atos processuais, expressamente assumidas pelo legislador (n.º 2 do artigo 28.º). A tramitação dos processos referentes a este tipo de ilícito sempre segundo o regime dos processos urgentes integra-se nos objetivos visados pelo legislador, de clara inspiração vitimológica. A finalidade desta opção, desta busca de especial celeridade, não é a tutela do arguido, mas a proteção do ofendido. Neste domínio o ofendido identifica-se como um tipo de vítima especialmente fragilizada e que motiva a atribuição de um estatuto juridicamente regulado, com reconhecimento de específicos direitos e deveres (artigos 14.º a 52.º da Lei). O regime de tramitação urgente dos atos processuais, com as suas consequências em matéria de contagem dos prazos, integra formal e funcionalmente esse estatuto da vítima. O legislador tomou em conta que, de um modo geral, a vítima de violência doméstica, pelo contexto relacional, de proximidade espacial e ligação (se não dependência) económica com o agente em que se encontra e frequentemente se mantém no decurso do processo, fica especialmente exposta às consequências da sua duração, não sendo raras as situações de reiteração ou agravamento das condutas agressivas, exacerbadas pela própria pendência do litígio judicial. Além disso, as necessidades de afirmação pública de efetividade do instrumento penal de proteção mediante a evidência da pronta reação contra violações do bem jurídico protegido por este tipo de crime são aqui particularmente intensas, pelo alarme social com que tais condutas vem sendo progressivamente encaradas. A relevância do problema da violência doméstica para a comunidade nacional é assumida pela Assembleia da República ao ponto de criar um estatuto particular de vítima e de estabelecer um “Plano Nacional Contra a Violência Doméstica” (artigo 4.º da Lei n.º 112/2009). 5. Argumenta o recorrente que não compete ao legislador conferir natureza urgente aos processos, de modo abstrato, em função da categoria de crimes que deles são objeto. Entende que é aos tribunais que cabe, no desempenho da tarefa que lhes é cometida pelo n.º 2 do artigo 202.º da Constituição, a determinação concreta da natureza urgente de um processo em matéria criminal, em função da prova indiciária recolhida e da aplicação de uma medida de coação limitativa da liberdade do arguido. E que a atribuição abstrata de urgência aos processos respeitantes a uma categoria de crimes, em detrimento de outros que a tal urgência não obrigam, “conduz invariavelmente a uma violação das garantias do Processo Penal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), como direito fundamental”. Estas afirmações são manifestamente destituídas de fundamento, no plano da argumentação jurídico- -constitucional, designadamente por referência aos parâmetros que o recorrente invoca. Com efeito, a tarefa de estabelecer o regime jurídico do processo penal por via geral e abstrata é com- petência do legislador e só dele. Aos tribunais cabe a aplicação do direito aos casos que lhes são submetidos, designadamente, a aplicação dessas normas que estabeleçam a tramitação processual. A circunstância de deverem acatar a tramitação e a prioridade de processamento que a lei estabeleça não contende com a defini- ção de função jurisdicional que se retira do n.º 2 do artigo 202.º da Constituição. E, quanto à afirmação de que, pelo facto de ser o legislador a determinar o caráter urgente dos processos respeitantes a uma categoria de crimes em detrimento de outros, são violadas invariavelmente as garantias do processo penal, o Tribunal não vislumbra sequer o que, em substância, o recorrente possa querer dizer. No plano das “garantias do processo penal”, a fonte da atribuição de caráter urgente ao processo, que essa qua- lificação resulte ope legis de o processo versar sobre determinada matéria ou que surja ope judicis por virtude de reconhecimento particular de urgência, é indiferente. Neste plano, o que releva é que o regime a que o processo fica sujeito seja compatível com as garantias de defesa, não o modo da determinação desse regime.

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