TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

382 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos. Assim, por exemplo, no seu Acórdão n.º 299/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º Vol., pp. 699 e segs.), citado em vários acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional observou que «(...) o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual (...)»; necessário é que essas regras não signi- fiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e de recurso afirmadas no citado n.º 1 do artigo 32.º». Devendo reconhecer-se liberdade de conformação ao legislador ordinário no presente contexto, o prin- cípio da igualdade só poderá ter-se como violado perante distinções manifestamente irrazoáveis ou injus- tificadas que, por isso, devam ter-se como arbitrárias. Ora, o juízo de controlo do respeito pela proibição do arbítrio alicerça-se a partir da análise do fim que as normas em causa visam alcançar, ou, dito de outra forma, da sua ratio (Maria da Glória Ferreira Pinto, “Princípio da Igualdade: Fórmula vazia ou carregada de sentido?”, in separata do Boletim do Ministério da Justiça , n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27). Na verdade, o sistema de recursos em processo penal encontra-se estruturado em torno de dois prin- cípios: o princípio constitucional de observância das garantias de defesa do arguido e o princípio constitu- cional da realização em tempo útil da justiça penal, com a consequente busca da verdade material. Nesse âmbito, o legislador consagrou uma regra geral, no artigo 399.º do CPP, de acordo com a qual as decisões dos tribunais são recorríveis, exceto em determinado tipo de situações. Como se afirma no Acórdão n.º 546/11, «Foi em função desse fim comum que a atual redação do n.º 1 do artigo 400.º do CPP determinou as situa- ções de irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas em recurso pelos Tribunais da Relação. Para tanto, e após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, o “sistema” parece assentar em dois grandes critérios que orientaram as escolhas do legislador. Por um lado, terá o legislador entendido que o recurso para o Supremo (de decisões tomadas, também em recurso, pelas Relações) deveria ser reservado aos casos de maior merecimento penal. É nesse contexto – corrobo- rado, aliás, pela exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que iniciou o procedimento legislativo que conduziu à aprovação da Lei n.º 48/2007 – que se compreenderá a versão atual da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, que consagrou a regra da irrecorribilidade de todas as decisões, proferidas em recurso pelos tribunais da Relação, que apliquem pena não privativa de liberdade; ou que se compreenderá a atual redação da alínea f ) do mesmo n.º 1, que consagrou por seu turno a regra da irrecorribilidade dessas decisões, quando apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Por outro lado, entendeu ainda o legislador que o recurso para o Supremo não deveria ser admitido sempre que sobre o caso tivessem já recaído dois juízos, proferidos pelas instâncias, de teor conforme. É de acordo com este critério – já proveniente, aliás, da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto – que se compreende a alínea d) , bem como a primeira parte da alínea f ) , do mesmo n.º 1 do artigo 400.º». Em suma, para dar concretização aos princípios constitucionais aplicáveis, o legislador optou por limitar as situações de recorribilidade para o STJ de decisões tomadas em recurso pela Relação aos casos em que se tenha aplicado uma pena especialmente grave ou em que não haja, através da “dupla conforme”, suficiente grau de certeza quanto aos juízos já obtidos. Ora, estando em causa um acórdão da Relação que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade, revogando a decisão de 1.ª instância que o havia absolvido, não se verifica nem a dupla conforme, nem uma situação de aplicação de pena que se tenha por especial- mente grave; a opção do legislador em excluir a possibilidade de recurso dessa decisão encontra justificação na ratio do sistema legal de recursos em processo penal.

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