TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL uma inferência de facto de ocultação da origem dos rendimentos face às declarações prévias obrigatoriamente apresentadas e à incongruência com a situação patrimonial revelada por qualquer das ações típicas (adquirir, possuir ou deter …. ) que, se for abalada em qualquer dos seus pressupostos, conduz à absolvição do arguido quanto a este crime. Ora, o Tribunal – tal como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (vide os casos Radio France v. France , de 2004, Pham Hoang v. France, de 1992, e Salabiaku v. France , de 1988, todos disponíveis em http:// www.echr.coe.int/echr/ ) – tem admitido, como válida a existência de presunções de facto, desde que o arguido possa desmontar o nexo lógico-inferencial em que a presunção se sustenta e baste a contraprova (e não a prova do contrário) para assegurar uma decisão favorável ao arguido. Lembro a jurisprudência relativa à “fé em juízo” dos autos de notícia (nas suas linhas fundamentais, iniciada ainda no tempo da Comissão Consti- tucional pelo Acórdão n.º 168, de 24 de julho de 1979); os casos em que o Tribunal foi chamado a ponderar o princípio da presunção da inocência do arguido a propósito das normas do Decreto-Lei n.º 85-C/75 (Lei de Imprensa), de 26 de fevereiro, que estabeleciam a responsabilidade criminal do diretor de publicação peri- ódica “se não provar que não conhecia o escrito ou imagem publicados ou que não lhe foi possível impedir a publicação” [cfr. alíneas a) e b) do artigo 26.º, n.º 2], sendo que “para efeitos de responsabilidade criminal, o diretor do periódico presume-se autor de todos os escritos não assinados e responderá como autor do crime se não se exonerar da sua responsabilidade pela forma prevista no número anterior” (artigo 26.º, n.º 3) (cfr. por exemplo Acórdão n.º 447/87), colhendo-se do seu discurso fundamentador que o parâmetro constitucional assente no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, não se teria por violado posto que se tratava “da presunção de um puro facto, a saber, o do conhecimento do teor daquele escrito ou imagem”, não sendo arbitrária nem se traduzindo “numa manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo ”; por último, e sem preocupação de exaustão, lembro ainda o decidido no Acórdão n.º 246/96, em que se encontrava questionada a constitucio- nalidade da norma do artigo 22.º, n.º 2, do Regime Jurídico das Infrações Fiscais Aduaneiras que afastava a punição do crime de contrabando de circulação “(…) fazendo-se prova de que a mercadoria é originária do território aduaneiro ou já se encontra nacionalizada (…)”, em que não se deixou de referir que “(…) como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Tribunal, não constitui afrontamento ao princí- pio da presunção de inocência o facto de a lei estabelecer, em alguns tipos criminais, que a não demonstração da verificação de certos factos possa atuar em desfavor do arguido (…)”. Finalmente, não pode considerar-se que a estrutura do tipo colida necessariamente com o conteúdo de sentido do princípio nemo tenetur se ipsum accusare . Nenhuma contribuição se exige ao arguido para a prova dos factos constitutivos do tipo e nenhuma conclusão desfavorável ao arguido se retira do seu exercício do direito ao silêncio. Prestar ou não declarações ou apresentar prova quanto à origem lícita do enriquecimento é opção que o arguido tomará livremente consoante a estratégia de defesa que escolha. – Vítor Gomes . DECLARAÇÃO DE VOTO Contrariamente ao que o Acórdão afirma no seu ponto 8.2., não faço decorrer a inconstitucionalidade da norma sindicada diretamente da invocada inexistência de um bem jurídico claramente definido. Com efeito, respondo afirmativamente à questão de saber se as normas sindicadas asseguram a tutela de bens jurídicos, acrescentando a este respeito que os bens jurídicos que justificam a presente incriminação serão os mesmos que suportam outras incriminações plasmadas no sistema jurídico. Estaremos assim perante um bem jurídico compósito, cuja legitimidade jurídico-constitucional está assegurada pelos fundamentos que asseguram a legitimidade das normas incriminadoras cuja direta violação conduziu ao enriquecimento que se pretende sancionar. Tal asserção, sendo em si mesma demonstrativa da observância do património valo- rativo com assento constitucional, não é afetada pela circunstância de o bem que assim se pretende tutelar surgir aqui numa conceção que resulta da concentração dos bens que justificam as referidas incriminações.

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