TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

374 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL diferenciações­materialmente­infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional (entre muitos outros, Acórdãos n. os 142/85, 231/94, 455/02, 323/03, 633/06 e 184/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . O legislador ordinário detém uma liberdade de conformação, com margem para diferenciações de tratamento, que lhe é permitida pelo princípio constitucional da sepa- ração de poderes, pertencendo-lhe, desde logo, “dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 13.º, ponto V). O princípio da igualdade enquanto “norma de controlo” face ao legislador proíbe-lhe, porém, as diferenciações de tratamento desprovidas de fundamento material bastante. Devendo concluir-se neste sentido quando “(…) os fatores materiais de um tratamento normativo desigual não comportem, designadamente, uma justificação que busque suporte na consonância entre os critérios adota­dos pelo legislador e os objetivos da lei, por um lado, e entre estes e os fins cuja prossecução o texto constitucional comete ao Estado, por outro”. A desigualdade de tratamento só “(…) será consentida quando, depois de adquirido que os critérios de distinção erigidos pelo legislador se compa­tibilizam com os objetivos da lei, se concluir no sentido de a Constitui­ção, à luz dos princípios que adota e dos fins que comete ao Estado, autorizar o tratamento diferenciado das situações delimitadas na lei ordi­nária”, isto é, quando se conclua que a diferenciação está em “consonância com o sistema jurídico” (Acórdãos n. os 76/85, 155/92, 232/03, 370/07 e 270/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Impõe-se, por isso, que a problemática da recorribilidade das decisões em processo penal e, mais ampla- mente, o direito ao recurso por parte do arguido e do assistente seja enquadrada no sistema jurídico, nas normas e princípios constitucionais pertinentes e nas disposições integrantes do regime legal dos recursos. Até porque o critério de qualificação das situações como iguais tem de ser significativo sob o ponto de vista da questão em causa, com a certeza, porém, de que a igualdade nunca pode ser total, importando distinguir quais os elementos de semelhança que têm de registar-se – para além dos inevitáveis elementos diferenciado- res – para que duas situações devam dizer-se iguais em termos de merecerem o mesmo tratamento jurídico (Acórdãos n. os 68/85 e 231/94, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . Na doutrina, sobre o conceito relativo de igualdade, Maria da Glória Garcia, “Princípio da igualdade: fórmula vazia ou “carregada” de sen- tido?”, in Estudos sobre o princípio da igualdade , Almedina, pp. 44 e segs.). 5. O processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso e a garantia de que se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32.º, n. os 1 e 2, da CRP). Já perante a redação anterior do artigo 32.º, n.º 1, da CRP – o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa – se entendia que o direito de o arguido recorrer em processo penal se insere no complexo de garantias que integram o direito de defesa, não tendo, por isso, sido decisiva a alteração introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, ao acrescentar que são asseguradas todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 178/88, 132/92, 322/93, 418/03, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt . E, ainda, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , anotação ao artigo 32.º, ponto III.) Tal alteração tão-pouco modificou o entendimento de que a CRP não exige o duplo grau de jurisdição relativamente a todas as decisões proferidas em processo penal, impondo-se a consagração do direito de recorrer apenas quanto a decisões condenatórias e a decisões penais respeitantes à situação do arguido, face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais (cfr., entre outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 265/94, 387/99 e 430/10, disponíveis no mesmo sítio. E, ainda, Lopes do Rego, “Acesso ao direito e aos tribunais”, in Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional , Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, pp. 74 e segs., e Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit. , anotação ao artigo 32.º, ponto VIII). Bem como não alterou o entendimento de que não é constitucionalmente imposto o duplo grau de recurso em processo penal, entendendo-se que “(…) mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que

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