TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL critérios. Por isso, a perspetiva a adotar para efeitos de aferição do princípio da igualdade tem de ser adequada à finalidade a que se destina o confronto; o critério de igualdade-desigualdade escolhido tem de ser significativo sob o ponto de vista da questão em causa, não podendo ser um critério arbitrário, sem qualquer ligação direta com ela. O princípio da igualdade é uma regra fundamental de disciplina das Relações entre o poder público (a começar no poder legislativo) e os cidadãos, no que respeita à atribuição de direitos ou vantagens e à imposição de deveres ou sacrifícios. Por aquele princípio, quem se encontre em situação igual deve beneficiar de iguais direitos e van- tagens e deve estar sujeito aos mesmos deveres e sacrifícios. Se na atribuição de um direito ou vantagem são con- templados apenas alguns dos que, de acordo com o princípio da igualdade, deveriam gozar dele, então existe um privilégio ilegítimo; se são contemplados todos menos alguns, então existe uma discriminação ilegítima. O mesmo se diga, invertendo os dados do problema, para o caso da imposição de deveres ou sacrifícios. O regime do direito de recurso para o STJ também deve respeitar o princípio da igualdade? Sem dúvida! A vantagem que é dispor dele deve ser igualmente atribuída. Sem dificuldade se concede – já acima se disse – que nem todas as decisões tenham de admitir recurso para aquele tribunal supremo da hierarquia dos tribunais judiciais, podendo a lei fechar mais ou menos o acesso, desde que com base em critérios objetivos que sejam relevantes para o efeito (designadamente a importância das causas, a natureza das questões, etc.). Existirá aqui, porventura, uma margem de discricionariedade legislativa relativamente ampla. O que a lei já não poderá fazer é admitir o recurso em toda uma categoria de casos e depois excluí-lo apenas em relação a um setor dessa categoria, sem que nenhuma justificação objetiva se verifique para tal discriminação». 3.2. Mas não julgou inconstitucional, também por referência ao princípio da igualdade, a norma do artigo 646.º, n.º 6, do Código de Processo Penal de 1929, interpretada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de maio de 1987, na parte em que dispõe não haver recurso dos acórdãos absolutórios das Relações proferidos sobre recursos interpostos em processo correcional (por parte do assistente e do Ministé- rio Público, sendo certo que tal não era vedado ao arguido relativamente a acórdãos condenatórios). É particularmente elucidativa daquele julgamento de inconstitucionalidade a passagem que, de seguida, se transcreve do Acórdão n.º 132/92: «(…) este Tribunal considera que, independentemente da natureza de «parte» ou de «sujeito» que se queira atri- buir ao arguido e ao assistente em processo penal, a nossa Constituição não consagra, não quis consagrar, quanto a eles, um princípio de igualdade em matéria do direito ao recurso. Ou seja: o princípio da igualdade de armas é um princípio que opera essencialmente no âmbito do direito de defesa, no âmbito da preocupação de não colocar o arguido em desvantagem relativamente aos meios processuais de que dispõe a acusação com vista à formação da convicção do tribunal. E qualquer dúvida que possa subsistir nesta matéria logo se dissipará se tomarmos em consideração o direito constitucional comparado, e mais propriamente o do sistema jurídico onde o processo penal mais aparece configu- rado como um “processo de partes”, o sistema constitucional-penal dos Estados Unidos da América. Pois bem: aí onde o processo penal mais está orientado pelo princípio do dispositivo, aí onde o processo penal mais se configura como um “processo de partes”, caracterizando-se pela plea bargaining, aí justamente também nunca se admitiu um direito igual ao recurso entre a acusação e a defesa. O princípio da proibição da double jeopardy, duplo risco, impede em absoluto que o arguido, depois de absolvido em primeira instância, possa ser novamente julgado num tribunal superior, por via de recurso. Eis o que dizem perentoriamente a este respeito os comentadores da obra The Constitution of the United States of America. Analysis and Interpretation (ed. J. H. Killian e L. E. Beck, U. S. Government Printing Office, Washington, 1987, p. 1231): Que um arguido não pode ser novamente julgado após uma absolvição [ acquittal ] é “a regra mais fundamental na história da teoria [ jurisprudence ] do duplo risco”. “A lei liga particular significado a uma absolvição. Permitir um segundo julgamento após uma absolvição, por errada que a absolvição possa ter sido, representaria um risco inaceitavelmente elevado de que o Governo, com os seus recursos vastamente superiores, pudesse vencer a resis- tência do arguido, de modo que, ‘mesmo apesar de inocente, ele pudesse ser considerado culpado’”. Ao passo que
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