TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que é irrecorrível o acórdão absolutório proferido, em recurso, pelas Relações, que revogue decisão condenatória de 1.ª instância em pena não privativa da liberdade. Para assim decidir recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação daqueles artigos do CPP, interpretados no sentido de que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolva o arguido por determinado crime e que, assim, revogue a condenação do mesmo na 1.ª instância numa pena não privativa da liberdade. De acordo com a decisão recorrida, esta norma viola o princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da CRP), e uma das garantias de defesa do arguido – a garantia de defesa através do recurso (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). O juízo de inconstitucionalidade assenta nas seguintes linhas argumentativas: não estando o acórdão absolutório proferido, em recurso, pela Relação, que revogue decisão condenatória de 1.ª instância em pena não privativa da liberdade, abrangido por qualquer alínea do n.º 1 do artigo 400.º, vale a regra geral da recor- ribilidade que está consagrada no artigo 399.º; o acórdão condenatório em pena não privativa da liberdade proferido, em recurso, pela Relação, que revogue decisão absolutória da 1.ª instância já é irrecorrível, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, o que redunda num tratamento legislativo diferente onde é manifesta a semelhança das situações; ainda que a CRP não imponha um duplo grau de recurso, não é tolerável do ponto de vista dos direitos de defesa que ao arguido esteja vedado o direito de recorrer daquele acórdão condenatório, quando o Ministério Público e o assistente podem recorrer daquele acórdão absolu- tório, o que cria uma desigualdade de armas; o tratamento diferente que a lei processual dá aos dois casos de recorribilidade, simetricamente opostos, que deveriam ser tratados como iguais, é irrazoável e arbitrária, havendo ofensa do núcleo fundamental do direito de defesa. Desta forma, a decisão recorrida distancia-se do entendimento jurisprudencial no sentido de a irre- corribilidade daquele acórdão absolutório ser imposta por interpretação do direito ordinário [cfr. voto de vencido aposto ao acórdão recorrido e, entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2008 [08P1883], de 7 de julho de 2009 [2554/04.3TBACB.C1.S1] e de 6 de julho de 2011 [1209/09.7TDPRT.P1.S1]. Contra este entendimento, relativamente a acórdãos condenatórios da Relação que, divergindo do decidido em 1.ª instância, apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, Figueiredo Dias/Nuno Brandão, “Irrecorribilidade para o STJ: redução teleológica permitida ou analogia proibida? Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de fevereiro de 2009”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2010, pp. 632 e segs.]. 2.1. Ainda que perspetivado enquanto exigência do direito de defesa do arguido, o tribunal recorrido não deixa de convocar o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa. Trata-se, porém, de um princípio que, como vem sendo assinalado pela jurisprudência constitucional, “perde a nitidez, no próprio direito ordinário, por o modelo de processo penal não assumir (…) uma estrutura acusatória pura, num sentido formal”, de harmonia com as funções que são constitucionalmente cometidas ao Ministério Público no n.º 1 do artigo 219.º e com o estatuto que a CRP reconhece a esta magistratura no n.º 2 do mesmo artigo (cfr. Fernanda Palma, “Direito penal e processual penal e Estado constitucional” in La Constitución Española en el Contexto Constitucional Europeo, Madrid, 2003, p. 1742, nota 13. Na jurisprudência constitucional, entre outros, Acórdãos n. os 356/91, 132/92 e 160/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . E a nitidez perde-se, de forma particular, em matéria de recursos, na medida em que, de acordo com os artigos 53.º, n.º 2, alínea d) , e 401.º, n.º 1, alínea a) , do CPP, compete ao Ministério Público interpor recur- sos, ainda que no exclusivo interesse da defesa, entendendo-se, até, que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP é invo- cável, relativamente a recurso do Ministério Público, quando seja interposto no exclusivo interesse da defesa (assim, Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 530/01 e 160/10, disponíveis no mesmo sítio). O que significa, também, que o acórdão condenatório em pena não privativa da liberdade proferido, em recurso, pela Relação, que revogue decisão absolutória da 1.ª instância, é irrecorrível quer para o arguido quer para o Ministério Público quando o queira interpor no exclusivo interesse da defesa [artigo 400.º, n.º 1, alínea e) ,
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