TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

37 acórdão n.º 179/12 falta de transparência sobre as causas de enriquecimento que é incriminada, embora conjugada ou revelada por uma situação patrimonial desproporcionada aos rendimentos de origem lícita conhecidos ou declarados . Ora, a imposição desse dever a todo e qualquer funcionário, na lata aceção penalmente relevante do termo “funcionário”, mesmo quando não lhe estejam cometidos poderes suscetíveis de condicionar seja a prepa- ração, formação ou tomada de decisão, seja a conformação da execução desta, ou as opções de prestação do serviço público, é flagrantemente desnecessária (por não existir aí o perigo que se visa prevenir) e excessiva, porque a carga ofensiva que comporta para outros direitos fundamentais, como o direito à reserva da vida privada do próprio e de terceiros, não tem a legitimá-la aquela necessidade. Porém, o mesmo não sucede relativamente aos agentes sobre os quais já hoje impende o dever de declarar em termos extrafiscais o património e rendimentos, e que são aqueles a que corresponde o âmbito subjetivo de aplicação do artigo 27.º-A da Lei n.º 34/87, de 16 de julho. A exigência de transparência sobre as causas do enriquecimento, cujo desrespeito é punido mediante a incriminação do “enriquecimento ilícito” é, aqui, um crime específico de um certo tipo de agentes, a quem a lei legitimamente impõe um dever especial de transparência (cfr. artigo 4.º da Lei n.º 4/83, de 2 de abril, na redação que lhe conferiu a Lei n.º 38/2010, de 2 de setembro). Há um prévio dever de comunicar com verdade que obriga os sujeitos deste crime a declarar os seus bens e a fonte dos rendimentos e que pelas razões já aduzidas se destina a proteger as condições orga- nizatórias indispensáveis ao viver comunitário. É esse dever que a desproporção entre a riqueza ostentada e os rendimentos lícitos conhecidos demonstra não ter sido cumprido e é essa falta de transparência que agora se pretende punir criminalmente deste modo. Elemento objetivo do tipo é a aquisição, posse ou detenção de património sem origem lícita conhecida, o que objetivamente não implica – contrariamente à interpretação que me parece ter prevalecido – que o tipo presume constitutivamente a origem ilícita do património ou dos meios com que foi adquirido. Ora, como se disse no Acórdão n.º 577/11, “(…) a separação de poderes do Estado impõe ao juiz, mormente ao juiz constitucional, que salvaguarde, com as cautelas necessárias, o espaço de liberdade de conformação que, em matérias de política criminal, pertence primacialmente ao legislador democrático, cuja legitimidade, assente no voto direto popular, lhe confere especial capacidade para decidir quais as condutas passíveis de constituírem ofensas penais, bem como quais as penas adequadas à punição das mesmas. A ati- vidade de fiscalização do Tribunal deve ser, portanto, restringida a um controlo de evidência, relegando-se as decisões de inconstitucionalidade para os casos em que, de modo evidente ou manifesto, se excederam os limites à incriminação penal resultantes do princípio da proporcionalidade e da ideia de Estado de direito democrático (…)”. Razões suficientes para que, quanto a este parâmetro de constitucionalidade e relativa- mente a esta incriminação, não tenha podido acompanhar o entendimento que prevaleceu. 3. Quanto à segunda questão Acompanho os termos gerais da análise do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido que o Acórdão enuncia e que, já por si, em parte afastam os fundamentos do pedido, designada- mente quanto à pretensa inversão do ónus da prova. Mas não concordo com o juízo de violação do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, desde logo porque não compartilho o entendimento de que nos tipos incrimina- tórios, tal como se encontram construídos, se presume a origem criminalmente ilícita da incompatibilidade patrimonial. O que está em causa – e atenho-me nas considerações posteriores ao único tipo que considero subsistir face à resposta dada à primeira questão – é a impossibilidade de determinar a origem lícita do enriqueci- mento do agente no período abrangido pelo dever de declarar, e de declarar com verdade, o património e rendimentos. Ora, como enfatiza a norma do artigo 10.º do Decreto, e já decorre dos princípios gerais do processo penal de estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação, incumbe ao Ministério Público (no sentido de que a dúvida se resolve contra a acusação) a prova também deste elemento do tipo. A lei não presume a ilicitude ou a culpa do agente relativamente ao crime que se lhe imputa. O que existe é

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