TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
366 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta última situação não parece enquadrar-se no restante esquema legal. Efetivamente, é pouco compreensível que o STJ não possa reapreciar em sede de recurso ordinário um caso em que a Relação confirmou uma condena- ção numa pena pesada de 8 anos de prisão, mas já o possa fazer se, como é o caso dos autos, o arguido foi conde- nado na 1.ª instância em pena não privativa da liberdade e depois absolvido pela Relação. Contudo, não parece que devamos seguir por esta via, pois aos tribunais não cabe discutir o critério legislativo, ou a falta dele, no que respeita às questões que podem ou não chegar ao Supremo Tribunal de Justiça pela via do recurso, umas mais graves que não lhe podem ser colocadas, outras de menor dimensão e que são sujeitas à sua reapreciação. Tal critério, bom ou mau, é definido no âmbito da competência da política legislativa, reservada à Assembleia da República. Para além de que a regra geral é a da recorribilidade. Não é, pois, por esse motivo, de ordem lógico-sistemática, que se pode recusar a recorribilidade da decisão proferida nestes autos pela Relação. Já vimos que a simples leitura dos artigos 399.º e 400.º do CPP permite que existam em simultâneo estas duas situações: – não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade por determinado crime e que, assim, revogou a absolvição da 1.ª instância (artigo 400.º, n.º 1 , alínea e , do CPP); – é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determi- nado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na lª instância numa pena não privativa da liberdade (artigos 399.º e 400.º, este a contrario ). Trata-se, porém, da mesma situação, embora em posições invertidas, pois uma é simetricamente o inverso da outra. Apesar da manifesta semelhança, há um tratamento legislativo diferente ao nível da interposição dos recursos. A primeira situação não é passível de um juízo de inconstitucionalidade. Na verdade, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. É indiscutível, portanto, que o direito ao recurso faz parte do núcleo fundamental dos direitos de defesa. Sobre esta questão há jurisprudência firme do Tribunal Constitucional desde há muitos anos. (…) Mas, o Tribunal Constitucional tem reafirmado em diversos acórdãos e ao longo dos anos que “A Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer ato do juiz admitindo-se embora, no processo penal, o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência da exigência constitucional do princípio da defesa, mas, já não o direito a um triplo grau de jurisdição” ( v. g. Acordãos do Tribunal Constitu- cional n. os 163/90 de 23 de maio de 1990, 331/02 de 10 de julho de 2002, 377/03 de 15 de julho de 2003, 375/05 de 07 de julho de 2005, 64/06 de 24 de janeiro de 2006, 530/07 de 29 de outubro de 2007). Assim, o facto do arguido no caso da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP07 não dispor de um terceiro grau de recurso não viola a Constituição, pois o núcleo essencial dos seus direitos de defesa já ficou ressalvado com o duplo grau jurisdição, para mais num caso em que a decisão final nem sequer o privou nem lhe restringiu o direito à liberdade. Contudo, o que já não é tolerável do ponto de vista dos direitos de defesa é que no caso simetricamente oposto a esse, em que ao arguido continua vedado o direito a novo recurso, agora por falta de interesse em agir (pois foi absolvido na segunda instância da acusação, após condenação na 1.ª instância em pena não privativa da liberdade), a acusação, isto é, o Ministério Público ou Assistente, possa recorrer. Nas “duas imagens invertidas”, o arguido não teria direito a interpor recurso em qualquer delas, mas permitir- -se-ia ao M.º P.º e ao Assistente, numa delas, um direito que àquele não assiste (o terceiro grau de jurisdição). Criar-se-ia uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação. É certo que o Processo Penal não é um processo de partes. Mas o direito de defesa, constitucionalmente prote- gido, exige a igualdade de armas, pelo menos após o encerramento do inquérito.
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