TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
365 acórdão n.º 153/12 A decisão recorrida é urna decisão final que conheceu do mérito e que não confirmou a condenação da 1.ª instância e, por isso, a recorribilidade não está excluída pelas alíneas c) e d) do artigo 400.º do CPP07, a primeira a considerar irrecorríveis os acórdãos da Relação que não conheçam, a final, do objeto do processo, a segunda a determinar a irrecorribilidade dos acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância. Também não foi aplicada qualquer pena e, por isso, a situação não cabe nos casos de irrecorribilidade das alíneas e) e f ) da mesma norma. Assim, a decisão não está abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no artigo 400.º do CPP07, nem em qualquer outra norma legal, pelo que, à primeira vista, tudo aponta para a aplicação da regra geral definida no artigo 399.º, isto é, para a recorribilidade. Parece-nos evidente que não se devem esgrimir argumentos de ordem lógico-sistemática para contrariar essa ideia da recorribilidade, como faz o M.º P.º na Relação e no STJ, até porque a regra é a da recorribilidade e, por- tanto, as exclusões devem ser tratadas de forma restritiva quanto aos casos de não recorribilidade. Mas, vejamos o que se diz com tal tipo de argumentos. Se o sistema de recursos para o STJ já pecava por ser defeituoso antes da reforma de 2007, depois dela vieram a surgir muitas outras dúvidas, de natureza diferente, que terão resultado de alterações legislativas de última hora introduzidas no projeto inicial de revisão do CPP e que lhe desvirtuaram a linha orientadora. Parecem existir duas claras linhas de força nas regras que constam das diversas alíneas da atual redação do artigo 400.º do CPP, quando conjugadas com os artigos 427.º e 432.º Uma, a do primado da dupla conforme, pelo que, quando duas instâncias estão de acordo quanto à questão de mérito, só se permite uma tripla apreciação em sede de recurso ordinário em casos considerados de grande gra- vidade. Outra, a de que ao STJ, como última instância de recurso, só cabem os tais casos considerados de grande gravidade, aferida pela pena aplicada e não pela pena aplicável, dada a sua natureza de tribunal de revista, com função essencialmente uniformizadora da jurisprudência. Assim, no que respeita ao princípio da dupla conforme, verifica-se que não há recurso para o STJ se a Relação confirmar uma absolvição da 1.ª instância ou uma pena que aí tenha sido aplicada até 8 anos de prisão [artigo 400.º, n.º 1, als. d) e f ) , do CPP]. E quanto ao princípio de que ao STJ só chegam, pela via do recurso, os casos considerados de maior gravidade, veja-se a norma que não permite o recurso se a Relação condenar o arguido em pena não privativa da liberdade, qualquer que tenha sido a decisão da 1.ª instância (absolvição, condenação em multa ou em prisão, etc.) e atente-se na norma que não permite o recurso direto para o STJ de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos [artigo 432.º, n.º 1, alínea c)] . Mas estas linhas orientadoras não surgem corno absolutas, pois sofrem de duas ou três exceções, cuja compre- ensibilidade não é evidente. Com efeito, é admitida uma tripla apreciação em sede de recurso nos casos em que a Relação, em decisão desconforme com a 1.ª instância, condena o arguido em pena privativa da liberdade, ainda que fixada no mínimo de 30 dias de prisão [artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , a contrario ]. A gravidade do caso, aqui, não resulta da duração da pena, como noutras alíneas da mesma norma, mas da circunstância do arguido ter o direito de ver reapreciada a sua situação após a sua primeira condenação em pena privativa da liberdade. Mas já não é permitido o recurso ao arguido, por força da mesma alínea e) , no caso em que a Relação, em desconformidade com a 1.ª instância, que até pode ter tido uma sentença absolutória, o vir a condenar em pena não privativa da liberdade. Aqui, apesar de não haver dupla conforme, o legislador terá entendido que a aplicação de uma mera pena de multa ou de outra não privativa da liberdade por um tribunal superior não tinha dignidade para seguir para a última instância de recurso. Por fim, ainda como exceção ao princípio de que ao STJ só chegam os casos mais graves, aferidos pela dimensão da pena aplicada, há a situação presente, em que parece permitir-se o recurso para o STJ, como já vimos, nos casos em que a Relação, em decisão desconforme com a 1.ª Instância, absolve o arguido do crime, qualquer que tenha sido a pena aplicada na 1.ª instância, mesmo que não privativa da liberdade.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=