TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
346 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao comércio retalhista. Esta “taxa” aplica-se apenas em determinada parcela ou fase do circuito económico, à fase da produção ou importação de determinados bens. A lei especifica que «a taxa incide sobre o volume de vendas de cada produto, tendo por referência o respetivo preço de venda ao consumidor final…» (cfr. artigo 72.º, n.º 3) pelo que cada venda é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito. Deste modo, a criação deste tributo vai agravar a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa do passado, no que respeita aos meses de janeiro a março de 2000, uma vez que as ven- das dos produtos sujeitos a tais “taxas” já haviam sido efetuadas aquando da publicação da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril. É certo que o tributo em causa só vem a ser liquidado em momento posterior, com base nas declarações de vendas mensais. Contudo, a determinação do volume de vendas mensal é o mero somatório das diversas operações sujeitas às referidas taxas, constituindo tal operação tão-só o apuramento do montante tributável a este título. Estamos, pois, perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações avulsas que se produ- zem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, a “taxa sobre a comercializa- ção de produtos de saúde” aqui em análise não se refere a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o modo de apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser periódico, continuado e duradouro, existindo, nos termos dos n. os 3 e 4 do artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, a obrigação por parte dos sujeitos passivos de apresen- tação das declarações de vendas mensais. Tendo-se por assente que a norma questionada nos autos determinou a aplicação retroativa de uma contribuição financeira a factos ocorridos anteriormente à sua criação, importa decidir se esta retroatividade é ou não constitucionalmente admissível. O princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), só exclui a possibilidade de leis retroactivas, quando se esteja perante uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes. O Tribunal Constitucional tem firmado jurisprudência no sentido de que a inadmissibilidade da retro- activade poderá ser aferida pela aplicação cumulativa, dos seguintes critérios: a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma muta- ção da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; b) e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes sobre os interesses particulares afetados. Assim sendo, poderá considerar-se que a norma do artigo 103.º, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, ao fazer retroagir os efeitos do artigo 72.º, n.º 3, da mesma Lei, à data de 1 de janeiro de 2000, viola a confiança dos agentes económicos abrangidos pela nova “taxa” assim criada, de forma inesperada e arbitrária e, conse- quentemente, constitucionalmente inadmissível? A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito, sendo a “taxa sobre a comercialização de produtos de saúde” criada pela referida norma um tributo com uma nova conformação no ordenamento jurídico, aos agentes económicos por ela abrangidos não ocorreria que a mesma fosse aplicada retroactivamente a transações já efetuadas à data da entrada em vigor da lei, tornando impossível efetuar um planeamento económico que tivesse em conta, no custo dos produtos colocados no mercado, o valor cobrado a este título. Designadamente, perante a aplicação retroa- tiva do referido tributo, as entidades sujeitas ao mesmo viram inviabilizada a possibilidade de, tal como em geral acontece nos impostos indiretos, repercuti-lo no consumidor final, que seria quem suportaria econo- micamente o tributo devido, ao adquirir o bem que inclui no preço o valor da “taxa de comercialização”.
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