TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
336 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório A., Lda., deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa respeitante a atos tributários de liquidação oficiosa da taxa sobre a comercialização de produtos de saúde, relativa aos anos de 2000 e 2001, e a atos tributários de liquidação oficiosa da taxa sobre a comercialização de produtos cosméticos e de higiene corporal, referentes aos anos de 2002 a 2004, e res- petivos juros compensatórios, invocando, além do mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 103.º, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, por violação do princípio da não retroatividade fiscal, em relação às taxas relativas aos meses compreendidos entre janeiro e março de 2000. O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 12 de julho de 2011, decidiu julgar a impugnação parcialmente procedente, tendo recusado a aplicação da norma do artigo 103.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, à liquidação da “taxa sobre a comercialização de produtos de saúde”, prevista no artigo 72.º da aludida que fundamentam a proibição constante do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, não tenham uma palavra a dizer quanto à aplicação retroativa das taxas e das contribuições financeiras. IV – No caso dos autos, é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroativa do disposto no artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril – retroactividade própria ou autêntica, ou seja, aplicação de lei nova a factos anteriores à data da sua entrada em vigor; com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal – a colocação de produtos de saúde no período de janeiro a março de 2000 – ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva. V – O princípio da proteção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, só exclui a pos- sibilidade de leis retroactivas, quando se esteja perante uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos contribuintes. VI – No caso sub iudicio , sendo a “taxa sobre a comercialização de produtos de saúde” criada pela referida norma um tributo com uma nova conformação no ordenamento jurídico, aos agentes económicos por ela abrangidos não ocorreria que a mesma fosse aplicada retroactivamente a transações já efetuadas à data da entrada em vigor da lei, tornando impossível efetuar um planeamento económico que tivesse em conta, no custo dos produtos colocados no mercado, o valor cobrado a este título; designadamen- te, perante a aplicação retroativa do referido tributo, as entidades sujeitas ao mesmo viram inviabiliza- da a possibilidade de, tal como em geral acontece nos impostos indiretos, repercuti-lo no consumidor final, que seria quem suportaria economicamente o tributo devido, ao adquirir o bem que inclui no preço o valor da “taxa de comercialização”. VII – Desta forma, e uma vez que se não descortinam razões de interesse público que, no caso, sejam capa- zes de prevalecer sobre o valor da segurança jurídica, a conclusão a extrair é a de que a confiança de agentes económicos na ordem jurídica foi violada, sem qualquer justificação, de forma arbitrária, pelo que a retroatividade é, no caso, intolerável e, consequentemente, constitucionalmente ilegítima.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=