TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Com efeito, o Tribunal tem reservado a sua intervenção, nesta área, aos casos em que o legislador ultra- passou o limite da sua liberdade ao editar normas criminalizadoras que se mostravam manifestamente excessi- vas e, portanto, violadoras do já referido princípio da proporcionalidade. Fê-lo, por exemplo, quando julgou inconstitucional a norma do artigo 132.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 252, de 20 de novembro (Acórdão n.º 527/95, in Diário da República, I Série-A de 10 de novembro de 1995). Fê-lo também quando, em diversas alturas, foi chamado a pronunciar-se sobre normas do anterior Código de Justiça Militar que fixavam penas para determinados crimes essencialmente militares ( v. g. , Acórdão n.º 392/99, in Diário da República, II Série, de 9 de novembro de 1999). 5. Acontece que, no caso em presença, não ocorre uma situação que, patente e seguramente, não careça de tutela penal, quer porque os interesses que a norma visa defender não reclamam defesa de um ponto de vista da consciência ético-social vigente, quer porque, a reclamarem tutela, ela seria facilmente obtida por recurso a sancionamento diverso do estabelecimento de sanções de natureza criminal ou por recurso a con- trolos por meios não penais. Com efeito, o bem jurídico protegido no crime de injúria, qualquer que seja a modalidade da ação típica concretamente considerada, é a honra. Pode dizer-se que a honra deverá ser hoje entendida, enquanto objeto de tutela penal, como uma decorrência direta da dignidade da pessoa humana (artigo 1.° da Constituição) e, nessa medida, como um conceito normativo cuja concretização não dispensa a convocação de uma dimensão fáctica ou existencial do homem enquanto ser social, enquanto pessoa empenhada na realização dos seus pla- nos de vida e ideais de excelência, o que tem correspondência constitucional no n.º 1 do artigo 26.º da Cons- tituição. É este bem jurídico, necessariamente complexo – como o interesse da estima que cada um tem por si próprio, e simultaneamente, como valor de não desconsideração social –, que a norma protege através dos tipos legais das injurias e da difamação (Prof. Beleza dos Santos, “Algumas considerações jurídicas sobre os crimes de difamação e de injuria”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência , ano 92, pp. 165 e segs., e Prof. Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal , Coimbra Editora, 1996, p. 86). Em sentido próximo, diz José de Faria Costa ( Comentário Conimbricense do Código Penal , Tomo I, pp. 601 e 602): «§ 1 – O art. 180.º abre o Cap. VI (Dos crimes contra a honra), do Tít. I (Dos crimes contra as pessoas), do Liv. II do CP, mas todo aquele capítulo trata exaustivamente a problemática da defesa do bem jurídico da honra e consideração. Ao conceder toda uma específica área incriminadora à proteção do bem jurídico da honra bem andou o legislador, não só porque, dessa maneira, concede a proteção penal que a Lei Fundamental já indiciava (art. 26.º da CRP), como também, em perfeita e legítima autonomia de valoração e intencionalidade jurídico- -penal, assume a importância da proteção penal daquele preciso bem jurídico. Desta sorte, independentemente de outras considerações, o legislador – no seguimento, aliás, de uma ininterrupta linha de valoração (CP de 1852 e suas sucessivas alterações; CP de 1982, revisão de 1995 e revisão de 1998) – quis, de jeito inequívoco e para que não restassem dúvidas, reafirmar a dignidade penal do valor da honra e da consideração pessoal.» É certo que, conforme se pode ler no respetivo preâmbulo, o Código Penal se assume deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado, optando conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que não apresentam suficiente potencialidade ofensiva para, perante o princípio da intervenção mínima, conduzirem a aplicação de penas. Todavia, tendo em atenção a ampla liberdade de conformação de que goza o legislador ordinário na defi- nição de crimes, parece evidente que ao editar aquela norma o legislador não ultrapassou os limites impostos pelo princípio da proporcionalidade especialmente previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, ou em qualquer outro. Efetivamente, haverá que concluir que o recurso a meios penais para proteção de bens jurídicos com a dignidade da honra pessoal constitui uma tradição do nosso ordenamento jurídico-penal que, não se
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