TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
32 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL integral respeito pela sua decisão de vontade – tanto no inquérito como na instrução ou no julgamento: só no exercício de uma plena liberdade da vontade pode o arguido decidir se e como deseja tomar posição perante a matéria que constitui objeto do processo (...)”, o que se desvela, sobretudo, “no direito conferido ao arguido pelo artigo 61.º-1 c) [do Código de Processo Penal], de “não responder a perguntas feitas, por qualquer enti- dade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar” (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Aa. Vv., Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, pp. 27-28 e Rui Patrí- cio, O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no atual processo penal português (Alguns problemas e esboço para uma reforma do processo penal português) , Lisboa, 2000, pp. 25 a 40; também sobre a liberdade de declaração do arguido, na sua vertente negativa, vide Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra, 1992, pp. 117 e segs., e, especificamente quanto ao direito ao silêncio, Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O direito à não autoinculpação (nemo tenetur se ipsum accusare) no processo penal e contraordenacional português, Coimbra, 2009). Ora, esta constelação axiológica que ilumina o estatuto jurídico-processual do arguido em processo penal, com base na qual aquele surge como um autêntico sujeito processual, afasta assim deste horizonte as consequências típicas dos problemas de repartição do ónus da prova decorrentes da afirmação de um princí- pio da autorresponsabilidade probatória das “partes” construído de acordo com os cânones do processo civil, exigindo que uma decisão condenatória em matéria penal assente na demonstração positiva da culpa do arguido e seja obtida sem sacrifício do tríptico garantístico constituído pela presunção de inocência, pelo in dubio pro reo e pelo nemo tenetur se ipsum accusare e dos demais direitos que gravitam em torno do arguido. Daí decorre, pois, um conjunto de exigências de sentido que não se limitam a conformar os diversos atos que compõem as diversas fases do processo penal, que, e de forma decisiva, operam a montante, ao nível da previsão legislativa dos tipos incriminadores, na medida em que impõem ao legislador que “as normas penais não consagrem presunções de culpa e que não façam decorrer a responsabilidade penal de factos apenas presumidos, impondo-se-lhe, em suma, que legisle no sentido de que não saia diminuído, direta ou indiretamente, o princípio da presunção de inocência do arguido” (Rui Patrício, O princípio da presunção de inocência..., cit., pp. 37-38). A formulação do tipo não impede o entendimento de que verificada a incongruência entre o património e o rendimento, ela é qualificada de enriquecimento ilícito sem ser feita a demonstração positiva da ausência de toda e qualquer causa lícita. Tenha-se presente, aliás, que sendo o elenco de causas lícitas aberto e potencialmente inesgotável, sem- pre se poderia entender que a exigência de demonstração positiva da sua ausência afetaria quase irremedia- velmente a operacionalidade do tipo. Assim lidas as normas incriminadoras, está-se a presumir a origem ilícita da incompatibilidade e a imputar ao agente um crime de enriquecimento ilícito, o que redunda em manifesta violação do princípio da presunção de inocência, determinando, portanto, a inconstitucionalidade das normas em causa. 10. Por último, resta uma sucinta referência à norma constante do “artigo 10.º”, tendo em atenção a questão suscitada pelo requerente. Ora, o tratamento autónomo de tal questão carece de qualquer razão útil, estando, por isso, manifesta- mente prejudicado pela solução a que se chegou. III – Decisão 11. Nestes termos, atento o exposto, o Tribunal decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º, n. os 1 e 2, e 2.º do Decreto n.º 37/XII da Assembleia da República, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição.
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