TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

317 acórdão n.º 127/12 9.1.ª O regime jurídico da usucapião não pode ser transposto para o caso que nos ocupa, pelas seguintes razões: (i) na usucapião o proprietário pode, logo a partir do momento da posse do terceiro, reagir contra essa ocupação e evitar/reverter a situação, enquanto que na reversão o proprietário inicial/expropriado nada pode fazer enquanto o bem expropriado estiver cometido ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação; ao contrário do proprietário no regime da usucapião, que pode efetivamente evitar esse efeito ablativo do seu direito de pro- priedade, o proprietário expropriado nada pode fazer se nos 20 anos subsequentes à expropriação o bem é utilizado para o fim que fundamentou a expropriação: não pode impedir a posse da entidade beneficiária da expropriação, nem evitar o decurso do tempo (ii) na usucapião, o prazo de 20 anos funciona como sanção pela inércia do pro- prietário que, apesar de ter o direito e a possibilidade de alterar a situação jurídica e a ocupação do terceiro, nada fez, enquanto que na reversão, como nos presentes autos, o direito e a possibilidade de o expropriado reverter a situação não se colocam. 9.2.ª É o regime da prescrição que aqui deve ser aplicado analogicamente: as duas situações são estruturalmente idênticas, devendo atender-se o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, onde se estabelece a regra de que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido (suportando de pleno o entendimento dos Recorrentes, (...) Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil (“O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas”), 2008, p. 63, e o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005, Processo n.º 05A3169. Ainda quanto a este regime da prescrição, deverá também atender-se ao prescrito no n.º 2 do artigo 306.º do CC, onde se refere que a prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa a correr depois de essa condição se verificar ou o termo se vencer. 10.ª Apesar de a solução adotada pelo Tribunal recorrido poder resultar do teor literal da norma sindicada (que não vincula o intérprete), a verdade é que a sua aplicação tout court aos presentes autos encerra as seguintes dimensões inconstitucionais: (a) por um lado, permite que um bem seja expropriado para um determinado fim de utilidade pública e que, decorridos 20 anos sobre a expropriação, possa ser utilizado para qualquer outro fim, de utilidade pública ou privada, designadamente vendido no mercado para a construção de projetos imobiliários pri- vados (é esta, aliás, uma das conclusões a retirar do Acórdão recorrido, onde se afirma que, após o decurso do prazo de 20 anos, é mais do que natural que o beneficiário do bem o tenha como seu, de pleno, podendo, pois, afetá-lo a qualquer fim/destino, de natureza pública ou privada); e (b) por outro lado, impede os expropriados de exercer o seu direito de reversão, pois, quando se verificam os respetivos pressupostos materiais para além desse prazo de 20 anos, o expropriado já não é titular desse direito fundamental (neste sentido, suportando, de pleno, a posição dos Autores, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.11.2007, Processo n.º 01095106, www.dgsi.pt ). 11.ª Contra a tese dos Recorrentes não valem aqui as exigências da segurança e estabilidade das relações jurídi- cas, em particular, como é aqui o caso, quando o terreno expropriado vem a ser afeto a um empreendimento imobi- liário privado: só se pode falar de certeza e segurança jurídicas enquanto o bem expropriado permanece adstrito ao fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação; foi para esse fim que foi expropriado e é para esse fim que se espera que continue a ser utilizado. O que representa um fator de particular incerteza e insegurança jurídica é defender que um bem possa ser expropriado para um determinado fim de utilidade pública e que, decorridos 20 anos sobre a adjudicação, possa ser utilizado para qualquer outro fim, de utilidade pública ou não: a ser assim, perante uma expropriação, os cidadãos nunca saberão se o seu bem vai permanecer ao serviço do interesse público ou se, pelo contrário, aquela expropriação não foi mais do que uma ardilosa estratégia para, a prazo, utilizar o bem para fins puramente privados, favorecendo interessados na respetiva aquisição. Nestes precisos termos, Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes (cfr. pp. 8-10 do Parecer junto aos autos pelos Recorrentes em 15.11.2006). 12.ª E nem se diga que a nova solução edificativa deste terreno resulta de um plano urbanístico (PPA), que o planeamento urbanístico é uma atividade de utilidade pública e que o fim diferente (de natureza pública ou privada) pode mesmo ser determinado por razões inerentes à própria evolução das cidades e da vida moderna, pois: (i) por um lado, as soluções edificativas que o PPA veio conferir aos terrenos expropriados nada têm que ver com qualquer utilidade pública, não se prevendo aí a construção de um hospital, de uma rodovia ou, sequer, para quem assim o entenda, de um estádio de futebol: são edifícios multiusos (habitação e serviços), como quaisquer outros existentes na cidade do Porto, que podiam ser construídos pelos próprios proprietários, sem necessidade da

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