TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
31 acórdão n.º 179/12 Daqui haver-se-á de concluir, em consonância com o já supra referido, que “ (…) toda a norma incrimi- natória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional (…)” (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 126). 8.3. Acresce que a construção do tipo não permite a identificação da ação ou omissão que é proibida, com o que fica violada a exigência de determinação típica do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, que é do seguinte teor, na parte relevante: «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou omissão, (…).» 9. Não poderá olvidar-se, ainda, que o tipo legal de crime, tal como se encontra configurado, não passa indemne ao princípio da presunção de inocência. Na realidade, de acordo com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, “(…) todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”. Aí se consagra, como um princípio fundamental do Estado de direito – também expressamente formu- lado no artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem –, a “presunção de inocência do arguido”. Considerando não ser fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência, Gomes Cano- tilho e Vital Moreira ( Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, 2007, p. 518) apontam, como decorrências do seu conteúdo, as seguintes concretizações: “(a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido; (b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; (c) exclusão da fixação da culpa nos despachos de arquivamento; (d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado; (e) proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. Acordãos do Tribunal Constitucional n.º 198/90); (f ) proibição de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal; (g) natureza excecional e de última instância das medidas de coação, sobretudo as limitativas ou proibitivas da liberdade; (h) princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado”. Apesar da dificuldade na determinação rigorosa do exato sentido do princípio – também mencionada no Acórdão n.º 270/87 –, deve ter-se por certo que a sua concretização há de levar em conta o ambiente axio- lógico específico deste terreno dogmático e a particular estrutura de onde o mesmo desponta (como refere Maria Fernanda Palma em “A constitucionalidade do artigo 342.º do Código de Processo Penal – O direito do arguido ao silêncio” , in Revista do Ministério Público , n.º 60, Lisboa, 1995, pp. 102-103). Assumindo essa pressuposição, Jorge de Figueiredo Dias, após acentuar que o nosso processo penal radica numa “ estrutura acusatória integrada pelo princípio da investigação”, concretiza que «(…) à luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos “à dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como “(…) provados”. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão – tem de ser sempre valorado a favor do arguido . É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo (...) » (cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, Polic., Coimbra, 1988-9, p. 145, e quanto à questão de saber se o princípio da presunção de inocência se identifica tout court com o princípio in dubio pro reo , vide Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inim- putáveis e “in dubio pro reo” , Coimbra, 1997, pp. 60 e segs.). Para o citado Autor, a presunção de inocência assume “reflexos imediatos” sobre o estatuto do arguido, conduzindo, entre o mais, a que “(...) a utilização do arguido como meio de prova seja sempre limitada pelo
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