TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

29 acórdão n.º 179/12 Apreciando a constitucionalidade do crime de tráfico de estupefacientes, este Tribunal assinalou, pre- cisamente, que “(...) o objetivo precípuo do direito penal é, com efeito, promover a subsistência de bens jurídicos da maior dignidade e, nessa medida, a liberdade da pessoa humana (...).” Esta incindível associa- ção entre o direito penal e os bens jurídicos de eminente dignidade de tutela assume-se, desde logo, como um desdobramento do princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (Costa Andrade, “A dignidade penal e a carência de tutela penal”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , n.º 2, 1992, p. 184). Assim espartilhado, o instrumentarium penal “(...) há de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à proteção das condições existenciais indispensáveis ao viver comunitário (...)” (cfr. Acórdão n.º 83/95), sendo que estamos perante um bem jurídico com dignidade de tutela quando a conduta que o lese mereça, pela sua danosidade social, um “juízo qualificado de intolerabilidade social” (Costa Andrade, ob. cit ., p. 184). Daqui decorre que “(...) toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional (...)” (Figueiredo Dias, ob. cit. , p. 126 ). Ora, esse “património ideológico-constitucional” conta com um fortíssimo lastro na história da juris- prudência constitucional bem desvelado, para além dos arestos já citados, nos Acórdãos n. os 25/84, 85/85, 288/98, 617/06 e 75/10 sobre as normas relativas à exclusão da ilicitude em certas situações de interrupção voluntária da gravidez, 347/86, 679/94, 108/99, sobre normas incriminadoras constantes do Código de Justiça Militar, 527/95, sobre o crime de condução sem habilitação, 302/95 e 480/98, sobre o crime de fraude na obtenção de subsídio, 99/02, sobre o crime de exploração do jogo ilícito, 577/11, sobre o crime de aproveitamento de obra usurpada, 312/00 e 516/00, sobre crimes fiscais, 595/08, sobre o crime de detenção de arma proibida, e 128/12, sobre o crime de injúria. Nesta ordem de ideias e atento o pedido sub judicio , cumpre começar por perspetivar, a título prévio, se as normas sindicandas cumprem o desiderato básico de assegurar a tutela de bens jurídicos e se, em caso de resposta positiva, ultrapassam o teste específico da necessidade. 8. Importa, para tanto, proceder à interpretação das normas. 8.1. As normas em causa são as constantes dos artigos 335.º-A e 386.º do Código Penal, aditada e alterada, respetivamente, pelo artigo 1.º, n. os  1 e 2, do mencionado Decreto, e, bem assim, o artigo 27.º-A, aditado à Lei n.º 34/87, de 16 de julho, pelo artigo 2.º do mesmo Decreto. Inicialmente, a norma punia apenas o funcionário e equiparados e pretendia tratar tal crime como de perigo abstrato, como se depreende da exposição de motivos constante do Projeto de Lei n.º 72/XII, que se transcreve na parte pertinente: «(…) Neste enquadramento, reafirmando que o combate à corrupção é um combate cívico e de cidadania, que mobiliza a defesa do Estado de Direito Democrático, a primazia da ética na vida pública e política, a sanidade e transparência da vida económica e a luta pela obtenção de altos níveis de desenvolvimento humano e global. É hoje um dado adquirido que a disparidade manifesta entre os rendimentos de um funcionário e o seu patri- mónio ou modo de vida, resultante de meios de aquisição não lícitos, representa um foco de grave perigosidade social. Nada mina mais os alicerces do Estado de Direito e do livre desenvolvimento económico do que o enrique- cimento ostensivo e injustificado de titulares de cargos políticos ou de quem no exercício de funções, sobre os quais impendem especiais deveres de transparência e responsabilidade social. Este juízo é tão mais evidente em contexto adverso ao desenvolvimento económico e social, sobretudo con- siderando que a corrupção consubstancia um fator danoso à promoção do desenvolvimento económico e social.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=