TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

282 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não há dúvida que pode ser qualificada como superveniente a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal no seu Acórdão n.º 23/06. A redação constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, que então se julgou, com força erga omnes, ser contrária à Constituição, constava da versão primitiva do Código, datada de 1966. Nessa altura era outra a ordem constitucional portuguesa; os princípios próprios do novo ordenamento, iniciado em 1976 (e, desde logo, o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos, liberda- des e garantias), à luz do quais foi declarada, em 2006, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade para a interposição das ações de investigação da paternidade, não eram pois vigentes no momento em que aquele prazo fora decidido pelo legislador ordinário. Mas a verdade é que o facto em nada altera os termos em que deve ser julgada a norma sub judicio, e isto por duas razões fundamentais. Antes do mais, porque a ponderação que é feita, na Constituição, entre censura de inconstitucionalidade e intangibilidade de caso julgado vale, como já vimos – e com ressalva da exceção expressamente prevista na parte final do n.º 3 do artigo 282.º – para a inconstitucionalidade em geral, sem aceção dos parâmetros cons- titucionais que, em cada caso, tenham sido violados. Como a Constituição não procedeu aqui a nenhuma “graduação de inconstitucionalidades”, fixando a gravidade dos efeitos das declarações com força obrigatória geral em função da “gravidade” dos princípios ou valores que, em cada caso, tenham sido violados, também não pode o intérprete proceder a essa graduação. Assim sendo, nenhuma razão há para que se considere que a inconstitucionalidade superveniente merece tratamento mais gravoso do que aquele que por princípio é reservado à inconstitucionalidade originária. A esta razão acresce uma outra. O juízo de inconstitucionalidade que recaia sobre normas de direito ordinário emanadas antes da entrada em vigor da Constituição só difere, quanto ao seu âmbito, do juízo comum (referente às normas emanadas já durante a vigência da CRP) na exata medida em que se restringe apenas à inconstitucionalidade dita material. Como o Tribunal sempre tem dito (veja-se, a título de exemplo, o Acórdão n.º 398/08), quanto aos critérios de aplicação, no tempo, das normas constitucionais relativas à forma, procedimentos e competências dos atos estaduais, vale o princípio tempus regit actus. É pois neste sen- tido – e não naquele que o recorrente pretende eleger, para fundar a sua tese segundo a qual o caráter super- veniente da inconstitucionalidade deveria fundar um regime de efeitos especialmente gravoso das declarações com força obrigatória geral – que deve ser lido o disposto, hoje, no n.º 2 do artigo 290.º da CRP. III – Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide: a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 494.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido segundo o qual a exceção dilatória do caso julgado abrange, também, as ações não oficiosas de investigação da paternidade; e, consequentemente, b) Negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida quanto ao juízo sobre a questão de constitucionalidade. Custas pela recorrente, fixadas em 25 unidades de conta da taxa de justiça. Lisboa, 6 de março de 2012. – Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão . Anotação: 1 – Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 11 de abril de 2012. 2 – Os Acórdãos n. os 232/03, 23/06 e 398/08 estão publicados em Acórdãos, 56.º, 64.º e 72.º Vols., respetivamente.

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