TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

281 acórdão n.º 108/12 Sendo esta a opção de princípio que o legislador constituinte tomou, claro se torna que não resulta da Constituição o dever de interpretar restritivamente as normas do Código de Processo Civil que definem o âmbito e o alcance da exceção dilatória do caso julgado. Não há, face à Constituição, o dever de interpretar essas normas de forma a excluir do seu âmbito de aplicação as ações não oficiosas de investigação da paterni- dade, pese embora a especial repercussão jusfundamental que detém o regime comum dessas ações. 7. Esta conclusão não exclui que o legislador ordinário possa, em situações justificadas, permitir que se reabram casos jurisdicionalmente já definidos. É o que acontece nas hipóteses expressamente previstas pelos artigos 1813.º e 1868.º do Código Civil, relativas às ações oficiosas de investigação da paternidade e da maternidade, onde se estipula que a improcedência da ação [oficiosa] “não obsta a que seja intentada nova ação de investigação (…), ainda que fundada nos mesmos factos”. Nas suas alegações, a recorrente invoca estas previsões normativas (às quais faz acrescer uma outra, inserta no regime tutelar de menores) a um duplo título: primeiro, enquanto lugar paralelo da solução que, no seu entender, deveria ser aplicada, também, às ações não oficiosas de investigação da paternidade; segundo, enquanto argumento para sustentar a inconstitucionalidade da não aplicação do mesmo regime às ações não oficiosas, por violação do princípio da igualdade. A nenhum destes títulos tem a recorrente razão. Antes do mais, e quanto ao primeiro, haverá sempre que distinguir entre inconstitucionalidade e con- ceções do bom direito. Ainda que se entenda, como o parece fazer a recorrente, que, “de jure condendo”, deveria ser estendido o regime previsto nos artigos 1813.º e 1868.º do Código Civil para as ações oficiosas de investigação da maternidade e da paternidade às ações não oficiosas, de tal não decorre que seja inconsti- tucional a leitura feita pela decisão recorrida, segundo a qual se não verifica, face ao teor literal das normas pertinentes, a referida extensão. É que uma coisa é a conceção que se possa ter quanto à mais acertada solução legislativa a adotar sobre determinada matéria; e outra, bem diversa, o juízo de inconstitucionalidade que sobre essa solução legislativa eventualmente recaia. Como é evidente, ao Tribunal cabe apenas formular este último. E é esse juízo de inconstitucionalidade, o único que ao Tribunal cabe, que, pelas razões já expostas, se não apresenta, no caso, fundamentado. Por outro lado, não colhe a invocação, feita pela recorrente, de que, a ser assim, haveria violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, por ser diverso o regime previsto para as ações ofi- ciosas e não oficiosas [de investigação da paternidade e da maternidade]. Como o Tribunal sempre tem dito em jurisprudência constante, sintetizada no Acórdão n.º 232/03, à luz do princípio geral da igualdade, cons- tante do n.º 1 do artigo 13.º da CRP, só são censuráveis as diferenças de regimes estabelecidas pelo legislador ordinário que não apresentem, para a medida da diferença, uma justificação razoável e intersubjectivamente percetível. Ora, como a própria recorrente reconhece nas suas alegações, existe uma justificação inteligível para que o regime do artigo 1813.º do Código Civil valha apenas para as ações oficiosas de investigação da paternidade: “[a]s menores garantias de apuramento da verdade que oferece a ação instaurada pelo Ministé- rio Público (entidade oficial representada por agentes que nem sempre conhecem suficientemente a teia de relações existentes no meio social e familiar em que o nascimento ocorreu e a ação se desenrola) em face da ação proposta pelas pessoas que normalmente gozam da legitimidade para propô-la ou prosseguir com ela …). [ Apud ponto I das alegações]. Pode discordar-se da valoração que e legislador fez deste fundamento, ao erguê-lo em medida da diferença entre o regime das ações oficiosas e não oficiosas; mas o que se não pode, como já vimos, é confundir a opinião de discordância com o juízo de inconstitucionalidade. 8. Resta, por último, analisar o argumento final alegado pela recorrente em favor da tese da inconstitu- cionalidade. De acordo com este argumento, o facto de a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo de dois anos para a interposição da ação de investigação da paternidade, contida no Acórdão n.º 23/06, ter incidido sobre direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição é uma razão acres- cida para que a censura de inconstitucionalidade prevaleça sobre o princípio do caso julgado.

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