TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
280 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL garantir a força normativa da constituição, através da fixação, ao nível mais alto da hierarquia das normas, de instrumentos destinados a expurgar do ordenamento jurídico atos [normativos] inconstitucionais. Esta intenção, que o artigo 282.º corporiza, traduz-se numa regra (a da eficácia ex tunc das declara- ções de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) que conhece apenas duas exceções. Uma é a que consta do n.º 4 do artigo 282.º Sempre que houver razões de segurança, equidade, ou interesse público de excecional relevo, o Tribunal Constitucional pode conferir às suas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral efeitos mais restritos do que os que decorrem da regra geral. Outra é a que consta da primeira parte do n.º 3 do mesmo artigo 282.º As decisões do Tribunal a que se refere o preceito produ- zem efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, ficando no entanto ressalvados os casos julgados. 6. A razão que justifica esta segunda exceção encontra-se no princípio da segurança jurídica, que decorre do princípio mais vasto de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP. O Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordena- mento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, a “reprimir a violação da legalidade democrática” e a “dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal. Ao estabelecer esta oposição, fazendo nela prevalecer a força vinculativa do caso julgado, o legislador cons- tituinte revelou a forma como procedeu à ponderação de dois bens ou valores: entre a garantia da normativi- dade da constituição, e a consequente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das decisões judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a constituição optou em princípio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princípio do favor rei, previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 282.º A uma ponderação de bens feita pelo próprio legislador constituinte, e em cujo resultado se inscreve a prevalência nítida de um dos bens ou valores em conflito, não pode o intérprete contrapor a sua própria ponderação. No caso, invoca o recorrente o maior peso que certos direitos fundamentais (como aqueles que, constan- tes do n.º 1 do artigo 26.º da CRP, são atuados através das ações de investigação da paternidade) terão sobre o princípio da força vinculativa do caso julgado, partindo da ideia segundo a qual este segundo princípio deve ceder perante o imperativo de garantia da Constituição. É por isso que sustenta que, uma vez declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do Código Civil que previa um prazo de dois anos para a interposição das ações de investigação da paternidade, terá o autor de ação interposta em momento anterior ao da declaração de inconstitucionalidade o direito a interpor nova ação, direito esse conferido por uma leitura restritiva da norma de direito processual civil que define o âmbito e o alcance da exceção dilatória do caso julgado. Engana-se, porém, ao defender que tal interpretação restritiva é imposta pela Constituição. Não o é. A ponderação, feita pelo próprio legislador constituinte no n.º 3 do artigo 282.º da CRP, entre censura da inconstitucionalidade por um lado e proteção do caso julgado por outro – com prevalência deste último sobre o primeiro –, ao ser reveladora do peso que detém, no sistema constitucional, o princípio da segurança jurídica, é também reveladora da opção de princípio que, neste domínio, o legislador constituinte tomou: a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de qualquer norma de direito ordi- nário (e quaisquer que sejam os valores constitucionais que esta última tenha ofendido), se, por regra, apaga os efeitos que a norma ilícita produziu, não apaga as situações em que tal norma tenha sido aplicada em casos definitivamente decididos pelos tribunais.
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