TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7. Posto este enquadramento, importa abordar as questões de (in)constitucionalidade suscitadas pelo requerimento sob apreciação, não havendo que seguir o iter traçado pelo requerente, mas sem o deixar, natu- ralmente, de ter no horizonte e, consequentemente, apreciar e decidir as mesmas. Vejamos. 7.1. À apreciação de tais questões importa, desde logo, uma abordagem da legitimidade jurídico-cons- titucional da incriminação. No seu pedido, o requerente invoca que o regime aprovado pela Assembleia da República viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, considerando que “(...) podem ser encontradas outras formas de, protegendo os mesmos bens jurídicos, salvaguardar princípios constitucionais fundamentais, ademais quando aplicável a todas as pessoas (...)” e que “(...) na formulação adotada pelo Decreto, tanto mais que não são claros os bens jurídicos a proteger pela norma e pela respetiva incriminação (...)”, sendo sempre que “(...) tal indetermina- ção coloca em crise não só o juízo de proporcionalidade como a própria possibilidade concreta de definição do tipo legal (...)”. No que importa ao disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa , enquanto parâmetro para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, o Tribunal pronunciou-se, designa- damente, no Acórdão n.º 426/91, onde, deixou explícito que “(...) o objetivo precípuo do direito penal é, com efeito, promover a subsistência de bens jurídicos da maior dignidade e, nessa medida, a liberdade da pessoa humana. (...)”. Nessa medida, “(...) a imposição de penas e medidas de segurança implica, evidente- mente, uma restrição de direitos fundamentais, como o direito à liberdade e o direito de propriedade, que é indispensável justificar ante o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Assim, uma tal restrição só é admissível se visar proteger outros direitos fundamentais e na medida do estritamente indispensável para esse efeito.(...)”, e, igualmente de forma impressiva, no Acórdão n.º 108/99 em que destacou que “(...) o direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio . Só se justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções criminais. É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentariedade, pois que há de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à proteção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. E enformado, bem assim, pelo princípio da subsidiariedade, já que, dentro da panóplia de medidas legislativas para a proteção e defesa dos bens jurí- dicos, as sanções penais hão de constituir sempre o último recurso. (...)”. Na realidade, como resulta de tal jurisprudência, o artigo 18.º, n.º 2, tem sido convocado como parâ- metro para aferir dos pressupostos constitucionalmente legitimadores da intervenção legiferante ao nível da seleção de comportamentos qualificados como crime, impedindo, a esse nível, a tipificação de condutas desligadas da tutela de bens jurídicos, dando-se por assente que um Estado de direito material não pode desvincular-se do princípio jurídico-constitucional do direito penal do bem jurídico, o qual imbrica na ideia de que o direito penal visa a tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade penal. Um bem com dignidade jurídico-penal é necessariamente uma concretização dos valores constitucionais. Nas palavras de Figueiredo Dias, “(...) um bem jurídico político-criminalmente tutelável existe ali – e só ali – onde se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido”, isto é, um valor fundamental que pré-existe à incriminação e que permite apreciar criticamente o seu sentido (Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral , tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007). Neste sentido, “(...) a Constituição surge como o horizonte que há de inspirar e por onde há de pautar-se qualquer programa de política criminal (...)” (vide Acórdão n.º 25/84), isto é, dela resulta uma ordenação axiológica que se afirma como “critério regulativo” da atividade punitiva do Estado (Figueiredo Dias, “Os novos rumos da política criminal e o direito penal portu- guês do futuro”, in Revista da Ordem dos Advogados , ano 43, 1983, p. 16), assente nesse princípio da exclusiva proteção de bens jurídico-penais operacionalizado a partir do artigo 18.º, n.º 2: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar- -se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

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