TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

279 acórdão n.º 108/12 De acordo com a argumentação da recorrente, que sustenta a tese da inconstitucionalidade, a questão não se resolve, como a resolveu o tribunal a quo, com a invocação do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição. No seu entender, uma coisa é a determinação dos efeitos das decisões do Tribunal Constitu- cional que declaram, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas jurídicas, determina- ção essa levada a cabo pelo referido n.º 3 do artigo 282.º da CRP; e outra, completamente distinta, é a de saber como é que, em uma leitura conforme à Constituição, se deve recortar o âmbito de matérias para a qual valerá a exceção dilatória do caso julgado, prevista pela alínea i) do n.º 1 do artigo 494.º do Código de Processo Civil. É que é muito diverso, diz-se, o alcance das duas questões. De acordo com o iter argumen- tativo percorrido pela recorrente, a primeira terá apenas o alcance restrito de determinar quais os efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; ao passo que a segunda terá alcance diverso, e bem mais vasto, pois que dirá respeito à questão de saber se as normas de direito processual comum que preveem a exceção dilatória do caso julgado (normas, que, no dizer da recorrente, são “de ordem pragmática que indiscutivelmente condicionam e fazem mesmo precludir o exercício dos direitos (…)” não devem ser, por imposição constitucional, interpretadas restritivamente, de tal ordem que do seu âmbito material de apli- cação se excluam situações que, convocando “valores muito relevantes da pessoa humana”, mereçam espe- cialmente forte tutela jusfundamental. In casu , esses valores, merecedores de forte tutela, seriam os discutidos por intermédio das ações de investigação da paternidade que, por dizerem respeito à “preocupação intensa e íntima do ser humano de ver estabelecida a sua identidade genética”, deveriam elas próprias (no entender da recorrente) colocar-se fora do âmbito “em que vigoram as normas que configuram e determinam o universo de situações em que se aplica o princípio do caso julgado”. Sendo esta a premissa inicial de que parte toda a argumentação subsequente, constante das alegações, é também pela sua análise que se começará. Será realmente inútil, para a resolução da questão sub judicio , a convocação do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição (que determina que, por princípio, os efeitos ex tunc das declarações de inconstitucionalidade das normas com força obrigatória geral se produzam com ressalva dos casos julgados)? A resposta é claramente negativa. Não é inútil a convocação, para a resolução da questão sub judicio, do disposto no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). E isto por uma razão sim- ples. Não sendo – ao contrário do que pretende a recorrente – de modo algum alheia à questão que no presente recurso se coloca aquela que é resolvida pelo preceito constitucional, há-se ser também a partir deste último que se achará a solução adequada ao caso. 5. Diversamente do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, que, ou remetem para a lei a fixação final dos efeitos das declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do Tribunal Consti- tucional (artigo 94.º da Constituição alemã e artigo 164.º da Constituição espanhola), ou conferem a essas decisões apenas eficácia ex nunc (artigo 136.º da Constituição italiana), a Constituição portuguesa é explícita quanto ao grau com que censura o direito ordinário que contrarie, para usar as palavras do seu artigo 277.º, as “normas” e “princípios” que nela se contêm. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 282.º da CRP, será inválido o direito comum que for julgado inconstitucional através de declarações de inconstitucionali- dade com força obrigatória geral, de tal modo que essas declarações produzirão efeitos “desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional”. O grau de censura que o legislador constituinte português reser- vou para o fenómeno da inconstitucionalidade é um grau intenso; pelo menos, mais intenso do que aquele que outras constituições, que apenas conferem eficácia ex nunc às sentenças, com força de lei, dos seus tribu- nais constitucionais, ao mesmo fenómeno reservam. Esta opção, tomada pelo nosso poder constituinte, por uma censura forte da inconstitucionalidade – que explicará também a opção, nem sempre seguida em direito comparado, de não remeter para a lei ordinária a fixação final dos efeitos das decisões do Tribunal com força obrigatória geral – poderá ser explicada por razões várias de História. Contudo, e como que quer que seja que se configure a sua explicação, a verdade é que ela denota uma especial intenção do legislador constituinte em

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