TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

277 acórdão n.º 108/12 Com efeito, é a própria Constituição da República que, no n.º 3 do seu artigo 282.º, ressalva os casos julgados, de modo a assegurar a intangibilidade de tais decisões pelos efeitos da declaração de inconstitucio- nalidade das suas normas, com força obrigatória geral. Não tem assim viabilidade a asserção da recorrente, contida na conclusão 6.ª das suas contra-alegações, no sentido de que as disposições dos artigos 493.º, 494.º e 497.º do Código de Processo Civil, se devem ter tam- bém por inconstitucionais, na medida em que proponham aplicar-se às ações de investigação da paternidade ou da maternidade. Não é possível declarar-se inconstitucional o que é previsto e tutelado pela própria Constituição, como é bom de ver. (…)” 3. Desta decisão interpôs recurso para o Tribunal Constitucional a autora, A.. Dizia, no respetivo requerimento, que o recurso era interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f ) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e que já havia sustentando, nas alegações oferecidas na apelação e no recurso de revista, “que as normas do Código de Processo Civil relativas ao caso julgado não podem ser interpretadas no sentido da sua aplicação a ações de investigação de paternidade, sob pena de contenderem com o disposto nos artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP.”. A requerente foi então convidada, pela relatora no Tribunal Constitucional, a aperfeiçoar o requeri- mento de interposição do recurso, de modo a que se cumprissem os requisitos exigidos pela parte final do n.º 1 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro. Na sequência da resposta a este convite, e de decisão sumária proferida pela relatora, decidiu o Tribunal, no Acórdão n.º 418/11, proferido em conferência, admitir o recurso de constitucionalidade quanto à norma constante da alínea i) do n.º 1 do artigo 494.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido segundo o qual a exceção dilatória do caso julgado abrange, também, as ações não oficiosas de investigação da paternidade, ordenando-se, em relação ao recurso, de objeto assim circunscrito, a produção das corres- pondentes alegações. 4. Nestas, a recorrente concluiu do seguinte modo: «1.ª – Não se põe em causa que o n.º 3 do artigo 282.º da CRP veda em termos gerais a extensão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade aos casos julgados. 2.ª – Todavia, a questão que levantamos, quer nas alegações para a Relação, quer nas alegações para o STJ, quer neste recurso, é a de saber se as ações de investigação não oficiosa de paternidade/maternidade geram a ocorrência de caso julgado, 3.ª – Ou, dito de outro modo, se a interpretação da lei processual civil no que concerne ao caso julgado, nome- adamente do artigo 494.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo Civil, no sentido de que se aplica a tais ações, viola ou não as normas constitucionais. 4.ª – É nossa convicção que efetivamente viola. 5.ª – Assim concluímos, porque a referida norma processual consubstancia prescrição da lei ordinária pré-exis- tente à entrada em vigor da atual Constituição, pelo que tem que ter-se em conta o disposto no primitivo artigo 293.º (hoje n.º 2 do artigo 290.º) da Lei Fundamental que estatui que “O direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição e seus princípios”. 6.ª – Ora, é evidente que o artigo 494.º, n.º 1, alínea i) do Código de Processo Civil, na medida que pretenda sobrepor-se, fazendo-os precludir de forma inaceitável, aos direitos à identidade pessoal e de estabelecer família, contraria normas e princípios fundamentais da Constituição, nomeadamente os consignados nos seus arts. 12.º, 16.º, 18.º, 25.º, n.º 1 e 36.º, n. os 1 e 4. 7.ª – Isto, porque não pode admitir-se que a preocupação de ordem meramente funcional de evitar reproduzir ou contrariar uma decisão anterior possa alguma vez sobrepor-se à garantia dos direitos fundamentais, e particular- mente desta ordem, sob pena de uma drástica e inaceitável inversão de valores.

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