TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
271 acórdão n.º 107/12 emergente da análise do conteúdo decisório do ato judicial de que se pretendia recorrer, assentava funda- mentalmente na onerosidade dos efeitos dele decorrentes, na concreta dinâmica processual em que foram praticados, apenas se admitindo como constitucionalmente legítimas soluções de irrecorribilidade que não afetassem o núcleo essencial do direito de defesa do arguido (designadamente, por estarem em causa meras questões incidentais ou interlocutórias cuja decisão por uma única instância não comprometia a possibili- dade de reagir, a final, pela via do recurso, contra a decisão de mérito) e postergando, por ilegítimas, todas aquelas que, por inviabilizarem a reapreciação de decisões de expressiva intensidade lesiva, atingiam a essên- cia de um tal direito fundamental de defesa. É também em função de uma tal perspetiva das coisas que se impõe analisar o presente recurso. Sustentou a decisão recorrida, para justificar o juízo de não inconstitucionalidade ora em apreço, além do mais, que «o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende» e que «o artigo 32.º, n.º 1, da CRP (…) não dispensa o respeito por exigências e pressupostos processuais que os interessados devem satisfazer, como seja a interposição do recurso dentro do prazo legalmente estabelecido». Sucede que, não se pondo em causa que assim seja, a questão que aqui se coloca é a de saber se é cons- titucionalmente legítimo que, tal como resulta da interpretação normativa sob recurso, a decisão da relação que julga inverificados os pressupostos processuais de um recurso antes admitido pela primeira instância seja, ela própria, insindicável por via de recurso, sobretudo quando, como é o caso, dela resultará o imediato trânsito em julgado da decisão da primeira instância que condena o arguido numa pena de prisão superior a 8 anos de prisão, da qual seria possível recorrer caso a relação confirmasse, em apreciação de mérito, essa mesma condenação [artigo 400.º, n.º 1, alínea f ) , do CPP]. É que não está em causa, no caso vertente, a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da relação que reaprecia, em sede de recurso, decisão da primeira instância que não conhece, a final, do objeto do processo, caso em que seria incontroversa, por manifestamente satisfeito o duplo grau de juris- dição, a não inconstitucionalidade da solução expressamente imposta pela alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP (cfr., neste sentido, Acórdão n.º 44/05, apreciando questão de inconstitucionalidade atinente à irrecorribilidade de acórdão da relação que reapreciou, em sede de recurso interlocutório, decisão da primeira instância que não julgou nulas escutas telefónicas). Na situação processual dos autos, o arguido, depois de ver admitido pela primeira instância o recurso por si interposto da decisão condenatória (no prazo de 40 dias que lhe havia sido, por despacho, concedido, por força da especial complexidade do processo, caso viesse a requerer a reapreciação da prova gravada), vê-se confrontado com uma decisão da relação que, sem prévio contraditório, considerou que o n.º 6 do artigo 107.º do CPP apenas permite a prorrogação do prazo de recurso até ao limite máximo de 30 dias, não admi- tindo, com fundamento em extemporaneidade, o recurso. Ora, se é certo que a questão da tempestividade do recurso foi apreciada pela primeira instância e pela relação, ainda que em sentidos divergentes, a verdade é que, sendo o recurso um meio de impugnação das «decisões cujos efeitos se repercutam negativamente na (…) esfera [do arguido]» (José Manuel Vilalonga, “ Direito de recurso em processo penal”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais , Almedina, pp. 368-369) só faz sentido equacionar o surgimento do correspondente direito na esfera jurí- dico-processual do arguido quando é proferida a primeira decisão desfavorável. E, encarando o recurso como instrumento de garantia de um direito fundamental de defesa, só deverá ser reconhecido ao arguido, em tal caso, o poder de ver reapreciada a decisão por tribunal superior quando não lhe foi dada a prévia possibilidade de, expondo as suas razões de defesa, influir nessa primeira apreciação judicial desfavorável (assim é que, em jurisprudência constante, tem o Tribunal Constitucional decidido não violar o direito de recurso do arguido, entendido como direito a um duplo grau de jurisdição, a interpretação normativa que considera irrecorrível o acórdão condenatório da relação proferido no recurso interposto de decisão absolutória, pois que, pese embora a novidade da condenação pela relação, teve o arguido a possi-
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