TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ‘enriquecimento­ilícito’ em si, não podem deixar de se considerar com ele correlacionados ( v. g., a Conven- ção relativa à luta contra a Corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados-membros da União Europeia, de 1997, que foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 72/2001 e a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada). 6.3. No plano do direito comparado, refira-se que, apesar das dificuldades colocadas à incriminação, alguns Estados admitem o crime de enriquecimento ilícito ou injustificado. É o caso, sem pretensões de exaustividade, de Hong Kong (vide o Capítulo 201, Secção 10 da Prevention of Bribery Ordinance ), do Chile, (vide artigo 241-bis do respetivo Código Penal) da Argentina (vide artigo 268.º, parágrafo 2 do respetivo Código Penal, na redação que lhe conferiu a Lei n.º 25 188, de 1999), de El Salvador (vide artigo 333.º do respetivo Código Penal), do Equador (vide artigo 296.1 do respetivo Código Penal), da China (vide artigo 395.º do respetivo Código Penal), e da Região Administrativa Especial de Macau. É porventura conveniente atentar na evolução sofrida pelo regime jurídico da figura do enriquecimento ilícito emMacau, pela proximidade relativamente ao ordenamento jurídico português. Ora, o destaque cabe, desde logo, ao artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 14/87/M, de 7 de dezembro (Regime Penal da Corrupção), que previa a punição disciplinar pelo ilícito de “Sinais exteriores de riqueza”. Seguiu-se a Lei n.º 3/98/M, de 29 de junho, entretanto revogada pela Lei n.º 11/2003, de 28 de junho. Aí se prevê não só o dever de apresentação, por parte de titulares de cargos políticos e demais trabalhadores da função pública, de uma “declaração de rendimentos e interesses patrimoniais” (artigo 1.º), como o crime de “Riqueza injustificada” (artigo 28.º), configurado nos seguintes termos: “Os obrigados à declaração nos termos do artigo 1.º que, por si ou por interposta pessoa, estejam na posse de património ou rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas declarações anteriores prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfa- toriamente a sua origem lícita, são punidos com pena de prisão até três anos e multa até 360 dias” (n.º 1). É mister concluir, portanto, que a grande maioria dos Estados não admite a criminalização do enriqueci- mento ilícito ou injustificado, seja porque o reputam desnecessário no quadro de outros instrumentos de com- bate à corrupção, seja porque têm dificuldades em sustentá-lo à luz do princípio (fundamental) da presunção de inocência. Exceção a este quadro mais ou menos estável é o crime de “não justificação de rendimentos”, previsto no artigo 321-6 do Código Penal Francês, introduzido pela Loi n.º 2006-64, de 23 de janeiro de 2006: «Le fait de ne pouvoir justifier de ressources correspondant à son train de vie ou de ne pas pouvoir justifier de l’origine d’un bien détenu, tout étant en relations habituelles avec une ou plusieurs personnes quis soit se livrent à la commission de crimes ou de délits punis d’au moins cinq ans d’emprisonnement et procurant à celles-ci un profit direct ou indirect, soit sont les victimes d’une de ces infractions, est puni d’une peine de trois ans d’emprisonnement et de 75 000 d’amende.» 6.4. O facto de o chamado “enriquecimento ilícito” ter uma expressão praticamente nula no contexto jurídico-penal europeu contrasta, no domínio do direito fiscal, com um conjunto de institutos normativos que pretendem atingir ‘determinados acréscimos patrimoniais não justificados’ que são desvelados a partir da existência de uma desproporção entre o rendimento declarado e certas “manifestações de fortuna”, os quais, assim, se encontram funcionalmente dirigidos “à deteção de situações anómalas onde se verifique uma dissonância entre a capacidade contributiva revelada pelo contribuinte na aquisição de determinados bens e aqueloutra que é possível extrair a partir dos rendimentos por ele declarados” (cfr. E. de Mita, Fisco e Costituzione II , Milão, 1993, pp. 1174 e segs., Mario Trimeloni, “Le presunzione tributarie”, in AA. VV. (dir. Andrea Amatucci), Tratatto di diritto tributário , II, Pádua, 1994, p. 235; João Rodrigues, Critérios normativos de predeterminação da matéria tributável , Coimbra, 2003, pp. 37 e segs.).

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