TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

255 acórdão n.º 85/12 Invoca a violação do princípio da legalidade sancionatória, na sua dimensão de tipicidade, previsto no artigo 29.º da Constituição, bem como os princípios constitucionais da necessidade da punição e da propor- cionalidade, previstos no artigo 18.º, n.º 2, o princípio da culpa, previsto no artigo 1.º e 27.º, bem, como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º 8. Importa começar por contextualizar esta norma, integrando-a no âmbito da atividade reguladora da CMVM. A CMVM é um ente público de natureza administrativa (artigo 1.º do Estatuto da CMVM), cujo papel fundamental consiste em zelar pelo bom funcionamento dos mercados de valores mobiliários – seja ao nível do mercado primário (de emissão de títulos), seja ao nível de mercado secundário (de livre troca dos títulos anteriormente emitidos), tendo sido dotada de poderes públicos administrativos – nomeadamente poderes de regulação, supervisão e fiscalização, entre os quais se inclui o processamento das contraordenações e a aplicação das respetivas coimas. Neste contexto, as entidades que atuam profissionalmente ou de forma qualificada no mercado de valores mobiliários estão sujeitas a um acompanhamento regular por parte da CMVM (artigo 359.º do CVM), e têm o dever legal de prestar, à autoridade de supervisão, toda a colabo- ração solicitada por esta (n.º 3 do artigo 359.º do CVM). Em particular, cabe-lhes o dever de prestação de informação, que deve ser “completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”, (artigo 7.º, n.º 1, do CVM). É neste contexto que surge a norma objeto do presente recurso, que qualifica como contraordenação muito grave a “comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”. A atual redação do artigo 389.º do CVM foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro. Mas a previsão de uma contraordenação “muito grave” por comunicação ou divulgação, por qual- quer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, decorria já do n.º 1 do artigo 389.º na redação do Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março. O diploma anterior – o Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro – previa apenas uma confi- guração diferente deste tipo de contraordenação. A mesma era já qualificada como “muito grave”, mas dizia respeito à comunicação ou divulgação, por qualquer entidade, e através de qualquer meio, de informação “relativa a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros” que não seja completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. 9. Alega o recorrente, em primeiro lugar, que o 389.º, n.º 1, alínea a), do CVM viola o princípio da legalidade sancionatória, previsto no artigo 29.º, n. os 1 e 3, da Constituição. E, isto, por constituir “um tipo excessivamente amplo, uma vez que permite abarcar um conjunto excessivamente alargado de situações que, na sua essência, apresentam formas, natureza, gravidade e efeitos diferentes e não comparáveis”, pelo que não cumpriria o requisito de possuir caráter certo e determinado. Na verdade, aquele preceito constitucional consagra o princípio da tipicidade ou a exigência de clareza e determinação das normas penais incriminadoras, uma vez que a exigência da determinabilidade é uma das dimensões irredutíveis do princípio da legalidade ( nullum crimen, nulla poena sine lege coerta ), fundamental para a garantia da liberdade e segurança dos cidadãos. 9.1. Mas é um erro pretender estender tais exigências ao domínio contraordenacional. Importa efetivamente relembrar que o Tribunal Constitucional tem constantemente sublinhado “a dife- rente natureza do ilícito, da censura e das sanções” entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, o que justifica que os princípios que orientam o direito penal não sejam automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social. É o que resulta, por exemplo, do Acórdão n.º 344/93 (publicado in Diário da Repú- blica , II Série, de 11 de agosto de 1993), do Acórdão n.º 278/99 (disponível no site do Tribunal Constitucio- nal) e do Acórdão n.º 160/04, que sublinhou a “ diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contraordenações”. Diferença, esta, que cobra

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