TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
221 acórdão n.º 72/12 impossibilitara descoberta da verdade material ou de criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime. Como se compreenderá, a realização deste “primeiro” interrogatório - ou de outros, submetidos ao mesmo regime (cfr. Fábio Loureiro, “O primeiro interrogatório judicial do arguido detido”, em Prova Crimi- nal e Direito de Defesa – Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Coimbra, 2011, p. 73) – não preclude que outros sejam realizados ainda no âmbito do inquérito, como se prevê no artigo 144.º do CPP, os quais, no entanto, por não terem a mesma funcionalidade constitucional e não se destinarem à defesa de uma privação de liberdade, não gozam do mesmo regime garantístico, não existindo, v. g., obriga- toriedade quanto à sua realização, nem definição de momento em que tal deva ocorrer. Desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encer- ramento do inquérito que, a título de “audiência pré-final” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação. Obviamente que, no âmbito de uma estrutura acusatória e numa fase em que o arguido detém alguns direitos de intervenção/participação processual (cfr. artigo 61.º, n.º 1, do CPP), quanto mais alargado for o conhecimento que este detiver dos factos e meios de prova já existentes, melhor poderá defender-se, exercer os seus direitos processuais e, inclusivamente, contribuir para a descoberta da verdade material, fazendo uso do direito de intervir no inquérito através quer do oferecimento de provas quer do requerimento de diligên- cias que se lhe afigurem necessárias [cfr. artigo 61.º, n.º 1, alínea g), do CPP]. Todavia, se é certo que da Constituição não resulta a exigibilidade do conhecimento preciso de todos os factos que venham a ser inseridos na acusação e em momento anterior à formulação desta, não é menos certo que, no pleno respeito das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, tal conhecimento não poderá nunca ficar aquém dos factos essenciais a verter ou vertidos em tal peça processual (acusação), sob pena de violação das enunciadas garantias. De qualquer modo, refira-se, ainda, que, tendo em conta o desenho do processo penal recortado no nosso sistema jurídico, não pode deixar de considerar-se a acusação como constituindo ainda um momento de instrução (conquanto inserida no seu encerramento) e a sua notificação ao arguido como consubstan- ciando também a sua audição sobre os factos da mesma, até porque este, no exercício dos seus direitos de defesa e de contraditório, pode sempre lançar mão do pedido de instrução e de audição sobre a factualidade sobre a qual, porventura, não tenha já sido ouvido. Ter-se-á, assim, como acabou de dizer-se, que o processo penal prevê igualmente a existência de uma fase prévia ao julgamento em que o arguido, perante prévio conhecimento de todos os factos e meios de prova constantes da acusação, pode exercer na plenitude o seu direito de defesa, sem os constrangimentos impostos durante a fase do inquérito, sendo-lhe possibilitado, entre o mais, o pleno contraditório quanto aos factos pelos quais se encontra acusado e a produção de provas indiciárias complementares, e, consequentemente, ver até afastada a fase de julgamento, momento este que não pode deixar de ser considerado gravoso para o arguido, ao que tudo não será estranho, naturalmente, o princípio de presunção de inocência de que o mesmo beneficia, princípio este consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. Num tal quadro normativo, não se vê que saiam postergados os direitos de defesa do arguido, quando se não verifique, por parte deste, um conhecimento prévio à formulação da acusação de todos os factos que nela venham a ser inseridos, desde que naquele conhecimento venham a ser incluídos os factos essenciais que daquela venham a constar. Não existe, em suma, no caso sub judicio, qualquer lesão do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Consti- tuição.
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