TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012
219 acórdão n.º 72/12 Tal realidade é assaz percetível ao nível do princípio do contraditório, considerando a diferente intensi- dade com que o mesmo é projetado nos diversos estádios do processo. Atente-se, a propósito, nas seguintes palavras de Jorge de Figueiredo Dias ( ob. cit., pp. 109-110): «O princípio do contraditório está expressamente consagrado na Constituição (cfr. artigo 32.º, n.º 5) e encon- tra assento generalizado na atual legislação processual penal portuguesa, se bem que em medida e sob formas diferentes consoante o concreto estádio do processo. (…) Relativamente à fase do inquérito, e contra a conceção desta primeira fase do processo como não contraditória, escrita e secreta, o CPP releva também aí o princípio do contraditório, ainda que de forma limitada: nos termos do artigo 61.º, n.º 1, alíneas a) , b) e f ) , o arguido goza do direito se estar presente em todos os atos processuais que diretamente lhe disserem respeito, de ser ouvido pelo juiz de instrução sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete e do direito de intervir no inquérito oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias (…). O processo penal português não é ab initio totalmente contraditório, assim se opondo àquelas conceções que, em nome de uma estrutura processual autenticamente acusatória, defendem a extensão total do contraditório ao inquérito. Esta proposta, que pretende excluir de todo a existência de uma fase inicial em que se investigue a notícia do crime sem participação contraditória do sujeito, se bem que aparentemente protetora, na máxima medida, dos direitos fundamentais dos cidadãos, pode vir a prejudicar, tanto o interesse público na repressão da criminalidade, como o interesse do arguido no seu bom nome e reputação e em que a paz jurídica não seja posta em causa senão em face de uma suspeita com um mínimo razoável de fundamento.» Aliás, dos próprios termos da Lei Fundamental, bem explícitos no n.º 5 do seu artigo 32.º, decorre a inexistência de uma imposição constitucional de uma genérica audição contraditória do arguido durante a fase do inquérito, uma vez que apenas os atos instrutórios que a lei determinar ficam subordinados ao prin- cípio do contraditório. Não é assim, no entanto, nos casos em que exista detenção do arguido, nos quais o contraditório cons- titui exigência ineliminável perante os artigos 27.º, n.º 4, e 28.º, n.º 1, da norma normarum, onde se estabe- lece a imperatividade constitucional da comunicação ao detido das causas que determinaram a detenção, de modo a conferir-lhe oportunidade de defesa, sendo que este regime acaba por ser essencialmente motivado perante os direitos fundamentais aí afetados. Essa mesma justificação encontra-se clarificada nos Acórdãos n. os 416/03 e 607/03 (disponíveis, como todos os adiante referidos em www.tribunalconstitucional.pt ) que se debruçaram sobre as garantias dos argui- dos durante a fase de inquérito em processo penal, ponderando, principaliter , a matéria do interrogatório judicial de arguido detido, tomando em consideração o disposto no artigo 141.º, n.º 4, do CPP. No primeiro, o Tribunal julgou «inconstitucional, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP, a norma do n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” pode consis- tir na formulação de perguntas gerais e abstratas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em causa». Idêntico juízo foi formulado no Acórdão n.º 607/03 quanto à norma «extraída dos artigos 141.º, n.º 4, e 194.º, n.º 3, do CPP, segundo a qual, no decurso de interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” e dos “motivos da detenção” se basta com a indicação genérica ao arguido do que é acusado (da prática de relações sexuais), do momento temporal dos factos (de 1998 a 2003), da iden- tidade das vítimas como alunos, à data, da B. e outros, mas todos menores de 16 anos, estando o tribunal
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