TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 83.º Volume \ 2012

216 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL arguido, no decurso dessa fase processual, não foi confrontado com a totalidade dos factos que mais tarde vierem a ser narrados no despacho de acusação. Cumpre apreciar. Antes de mais, importa salientar que não se mostra exato que a pretensão ora aduzida pelo arguido B. não tenha ainda sido objeto de decisão judicial, uma vez que sobre ela incidiu despacho relativamente ao qual o arguido apresentou recurso. De todo o modo, é consabido que com a aquisição da qualidade de arguido, que se conserva ao longo de todo o processo (artigo 57.º, n.º 2, do CPP), é assegurada ao visado uma posição jurídica que lhe permite uma participa- ção constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da concessão de autónomos direitos processuais, legalmente definidos, que hão de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal, ou seja, reconhece- -se ao arguido a qualidade de verdadeiro sujeito processual, portador de um direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) e que se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão condenatória (artigo 32.º, n.º 2, da CRP). Tendo em vista a salvaguarda efetiva desse estatuto reconhecido ao arguido, dispõe o n.º 1 do artigo 272.º do CPP que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la. Trata-se de um ato cuja prática no decurso do inquérito a lei impõe, em homenagem ao direito de defesa que é reconhecido ao visado pelo processo penal, obstando a que o inquérito possa correr os seus termos inteiramente à sua revelia até à dedução da acusação. Por constituir um ato de realização obrigatória, “a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pes- soa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) , do Código de Processo Penal”, de acordo com a jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 1/2006. Sustentam os arguidos que esta consequência decorrente da inobservância da imposição contida no artigo 272.º, n.º 1, do CPP, é aplicável quando suceda, como ocorreu nos presentes autos, que o arguido, em sede de interrogatório, não seja confrontado com todos os factos que vierem posteriormente a ser narrados no despacho de acusação, sem que tenha sido submetido a interrogatório(s) complementar(es) quanto à demais factualidade com que não fora confrontado. Acontece, todavia, que não lhes assiste razão. Com efeito, conforme é sublinhado na fundamentação do supra citado AUJ n.º 1/2006, “(...) a lei ao estatuir que é obrigatório interrogar como arguido a pessoa contra quem corre o inquérito, está a pressupor que aquela pessoa ainda não foi constituída como arguido, ou seja, que ainda não há arguido”. Assim, atento o seu teor literal, após a sujeição do visado pelo processo criminal a um primeiro interrogatório cessa a aplicabilidade do disposto no n.º 1 do artigo 272.º do CPP. Deste modo, conclui-se que o preceito em estudo não impõe a realização de interrogatórios complementares, quanto à factualidade compreendida no objeto do inquérito, com a qual o arguido não haja ainda sido previamente confrontado. Por outro lado, não se encontra no nosso processo penal qualquer outra norma que imponha essa obrigato- riedade. Trata-se de uma solução que, a nosso ver, não colide com a visão do nosso processo penal como um processo equitativo, quando encarado como um todo. Na realidade, se o legislador ordinário não impõe uma reciprocidade dialética entre os sujeitos processuais logo na fase de inquérito, conforme é reconhecido pela própria constituição no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, tal não colide com o equilíbrio entre os sujeitos processuais, quando o processo é ponderado em termos globais, por ser salvaguardado o direito ao contraditório nas fases processuais subsequentes. Não sendo obrigatória a realização de interrogatórios complementares, pelos motivos supra aduzidos, importa ter presente que no processo penal vigora o princípio da legalidade ou da tipicidade das nulidades (cfr. artigo 118.º, n.º 1, do CPP), isto é, só existem nulidades processuais quando expressamente cominadas na lei. No caso concreto, sustentam os arguidos que ocorreu a nulidade prevista no artigo 120.º, n. os 2, alínea d) e 3, do CPP, relativa à insuficiência de inquérito, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=